Resenha das Confissões de Santo Agostinho

Confissões

“Tarde te amei…”

As confissões de Santo Agostinho foi o primeiro livro de filosofia que eu estudei mais profundamente, isso ainda na minha juventude, e esse fato me marcou profundamente. Essa autobiografia nos faz reviver e refletir sobre a vida de falsos caminhos e pecados de Agostinho. Seu desenvolvimento intelectual, a relação com seus amigos e com sua fantástica mãe- santa Mônica- podem nos servir como exemplo vida. É claro que alguns dos pensamentos de Santo Agostinho sobre sua vida pecadora são exagerados, como quando ele fala sobre seus maus pensamentos quando criança, sua sexualidade de jovem e a relação com uma mulher que ele não nomeia, parecem-nos ingênuos nos dias de hoje. É muito mais interessante a história de sua vida de estudante e sua adesão ao maniqueísmo.

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Resenha: A Cidade de Deus, de Santo Agostinho

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Santo Agostinho sempre foi considerado um teólogo de inspiração platônica mas, quando lemos sua obra principal, A Cidade de Deus, e a comparamos com a sobriedade das metafísicas de Plotino, Proclo, Jâmblico e Damáscio, vemos que o seu platonismo fica já obscurecido pela teologia bíblica. Agostinho dá um tom excessivamente bombástico e emocional ao seu texto, talvez porque misture a uma tentativa de filosofar teologia e história. Este caráter histórico de seu texto é um dos grandes pontos fracos do Cristianismo, e mesmo filósofos muçulmanos criticam este aspecto da religião cristã. Quando a filosofia é diminuída para dar espaço a uma religião que pretende ser histórica, e que vê seus antecessores como meros pretextos para seu aparecimento, a razão cede lugar para o emocional. [Read more…]

Platão, Lutero e o homem justo

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O seu cadáver não permanecerá no madeiro, mas certamente o enterrarás no mesmo dia; porquanto o pendurado é maldito de Deus; assim não contaminarás a tua terra, que o Senhor teu Deus te dá em herança.

οὐκ ἐπικοιμηθήσεται τὸ σῶμα αὐτοῦ ἐπὶ τοῦ ξύλου ἀλλὰ ταφῇ θάψετε αὐτὸν ἐν τῇ ἡμέρᾳ ἐκείνῃ ὅτι κεκατηραμένος ὑπὸθεοῦ πᾶς κρεμάμενος ἐπὶ ξύλου καὶ οὐ μιανεῖτε τὴν γῆν ἣν κύριος ὁ θεός σου δίδωσίν σοι ἐν κλήρῳ.

Deuteronômio, 21:23 (Septuaginta, a versão grega do Antigo Testamento)

“Se você pergunta por que não acreditamos em Moisés é por causa de nosso amor e reverência por Cristo. A pessoa mais imprudente não pode ter prazer em considerar alguém que amaldiçoou seu pai. Nós abominamos Moisés, nem tanto por sua blasfêmia a todas as coisas divinas e humanas, mas sim pela sua horrível maldição que ele pronunciou contra Cristo o Filho de Deus, que por nossa salvação foi pendurado em uma árvore.

[…] suas palavras são: “maldito seja aquele que foi pendurado em uma árvore”. Você me diz para acreditar neste homem, apesar de que, se ele foi inspirado, ele deve ter amaldiçoado Cristo conscientemente e intencionalmente; se ele fez em ignorância, ele não pode ter sido divino. Escolha uma das alternativas.”

Fausto, Bispo maniqueu, em resposta a Santo Agostinho

“Assim sendo, o justo será flagelado, torturado, amarrado; seus olhos serão queimados e, por fim, depois de sofrer todos os males, será crucificado (άναοχινδυλευϑήσεται, que em grego significa “será atado ao tronco”)”

ἐκκαυθήσεται τὠφθαλμώ, τελευτῶν πάντα κακὰ παθὼν ἀνασχινδυλευθήσεταικαὶ γνώσεται ὅτι οὐκ εἶναι δίκαιον ἀλλὰ δοκεῖν δεῖ ἐθέλειν

Platão, A República, 362a

“Mesmo que as considerações de Platão sejam  apenas um momento da preparação dialética para a compreensão da justiça e para mostrar o caminho do verdadeiro entendimento da mesma, fica claro (no Mito do Anel de Giges) como são ambíguos os motivos da ação humana, e como é problemático dizer que você faz alguma boa para seu próprio bem.

De modo significativo é o sofrimento do homem justo que traz a motivação de Platão- e de Lutero- à luz. A questão de seu caráter único é o que leva à filosofia da cruz, no qual o senso de moralidade ameaça entrar em colapso.

Na figura do sofredor justo de Glaucon, dada as complexidades dos motivos humanos,  a questão da vontade de justiça, em volta do motivo da retidão, passa a girar em torno da pureza da motivação; então agora é a pureza, ao invés da justiça, que passa a ser a motivação.

A concepção de Lutero do quaerere quae sua sunt (buscar o que é seu) em comparação com Platão busca certamente o pensamento moral e metafísico, mas Paulo o faz em Romanos capítulo 7 ao modo da teologia; porém, Lutero vai muito além da moral em seu entendimento do pecado.

Experiência e autoconhecimento podem levar à clareza que a pessoa procura o que é seu em muitas coisas, mas não é o caso que o faça “em todas as coisas” (Romanos 6).”

Theodor Dieter, Der junge Luther und Aristoteles, P.93, 94, Editora De Gruyter, 2001(tradução nossa a partir do original em alemão)