Resenha: From Aristotle to Darwin and Back Again, de Étienne Gilson

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A verdadeira missão da Filosofia: o pensamento sobre o próprio pensamento e o questionamento das razões da ciência.

Poucos filósofos ou intelectuais possuem a coragem de questionar a assim chamada Teoria da Evolução que, mais do que simplesmente uma hipótese científica (ou pseudocientífica), virou já um dogma religioso. Louvemos, portanto, a bravura do filósofo francês Étienne Gilson, que escreveu esse livro numa época em que tal dogma era ainda mais inquestionável. [Read more…]

Resenha: The Demon (O Demônio), de Hubert Selby Jr

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Impressionante e assustador. Essas duas palavras são as que melhor definem o livro de Hubert Selby Jr, “The Demon”, que é um clássico do autor sem tradução em português. Selby Jr tem um estilo peculiar de escrita no qual ele não usa aspas ou, por exemplo, travessão, quando algum personagem vai iniciar alguma fala. Seu inglês é simples, apesar de que algumas expressões idiomáticas tornam a leitura um pouco difícil em algumas passagens.  Ele também foi o autor do livro “Requiem for a Dream” levado ao cinema no ano 2000, e que teve o título no Brasil de “Réquiem para um Sonho”. Selby Jr ficou conhecido por abordar o submundo da sociedade americana, mas isso não deve enganar quem lê The Demon, pois aqui o autor conseguiu alcançar um nível de profundidade que fala ao Homem de todas as épocas. [Read more…]

Resenha: Textos Escolhidos, de Karl Popper

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Este livro reúne diversos artigos escritos pelo filósofo da ciência austríaco Karl Popper ao longo de várias décadas de sua longa vida. Popper era um defensor do assim chamado racionalismo crítico. Ele acreditava que a ciência e a filosofia deveriam refletir os ideais dos filósofos pré-socráticos de inovação e de pluralidade de opiniões. A tradição do racionalismo foi resgatada pelo Renascimento mas, desde o idealismo alemão, o irracionalismo ganhou terreno, principalmente na filosofia de Bergson. Popper não era um defensor de qualquer tipo de racionalismo, já que ele acreditava que o racionalismo por si só é uma fé irracional na razão. O racionalismo crítico de Popper tem estreitas ligações com o programa liberal de defesa das instituições, da liberdade de pensamento e dos homens. O filósofo austríaco rejeita qualquer programa de engrandecimento do Estado e da sua suposta missão de fazer os homens felizes ou de salvá-los. Isso foi tentado na Idade Média, por exemplo, e o resultado foi trágico. Como diz Popper, “ a tentativa de criar o paraíso na Terra produz invariavelmente o inferno.” [Read more…]

Resenha: Fragmentos sobre a história da filosofia, de Arthur Schopenhauer

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Fragmentos sobre a história da filosofia é um dos capítulos da obra de Schopenhauer ( Parerga e Paralipomena ). Esta última garantiu ao filósofo a fama que ele tanto desejava. Escrito com o estilo agradável que é o hábito de Schopenhauer, neste volume da edição da Martins Fontes encontram-se dois ensaios: esboço de uma história da doutrina do Ideal e do Real e os Fragmentos sobre a história da filosofia. No segundo ensaio, Schopenhauer deixa claro que estudar a história da filosofia não é fazer filosofia. Para ele, se quisermos entender filosofia devemos ler as obras originais dos filósofos, e nunca o resumo de terceiros. [Read more…]

Resenha: Fenomenologia do Espírito, de G.W.F. Hegel

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A filosofia nasce do maravilhar-se, do espanto, e foi a partir destas capacidades que nasceram os grandes pensamentos de Tales de Mileto até Platão. Até aquele momento os filósofos buscavam inspirar os homens ao amor pela sabedoria. Eles expressavam seus pensamentos e permitiam que os mesmos percorressem livremente seu próprio caminho. Platão escreveu lindamente seus diálogos e toda sua obra foi preservada. Quando o lemos, nenhum tipo de sistema fechado pode ser detectado. Seus diálogos deixam várias questões em aberto e apresentam aporias ao leitor. Ele é poético, mas também quer ser científico; daí sua dialética que sobe em suas hipóteses até chegar aos Princípios, e dali desce. É um processo constante. [Read more…]

Resenha: O Homem e seus Símbolos, de Carl Gustav Jung

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O Homem e seus Símbolos é um livro que reúne capítulos escritos por Jung e alguns de seus principais discípulos. Trata-se de uma obra que dedica-se ao estudo dos símbolos dos sonhos, da arte, dos mitos e do conceito junguiano da anima e do animus. O primeiro capítulo do livro foi escrito por Jung e é uma espécie de aula resumida de seu conceito de inconsciente para um público leigo. Quem leu Arquétipos e o Inconsciente coletivo vai ter uma melhor compreensão do que está exposto nessa obra. [Read more…]

Resenha: A History of Philosophy- Volume II, de Frederick Copleston

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Frederick Copleston escreveu uma série de livros sobre a história da filosofia que são referências para o público de língua inglesa. Infelizmente, seus livros não estão disponíveis em português. Existe a tradução da filosofia na Idade Média de Étienne Gilson, que é uma grande obra, porém eu achei o segundo volume de Copleston que trata da filosofia medieval superior à de Gilson. Como toda a história da filosofia medieval, Copleston também inicia sua história da filosofia no período da patrística. Este foi um período de pouca filosofia e muita teologia, como demonstram todos os livros de filosofia medieval. O período que vai da patrística até o século XIII é todo dominado pelo pensamento neoplatônico. Os medievais não tiveram acesso à nenhuma obra de Platão, com a exceção do Timeu, e de Aristóteles até o século XII. Isso deixou o Ocidente latino em desvantagem em relação ao Islã. Toda a  ciência grega havia sido transportada para o mundo islâmico pelos monges sírios, enquanto o Ocidente tinha que se contentar com o que havia sobrado das invasões bárbaras. Com o aparecimento no século XII das obras de Aristóteles, a Igreja passou a ser confrontada por um sistema filosófico até então desconhecido. No século XIII, vários teólogos tentaram harmonizar a doutrina aristotélica com os ensinamentos do catolicismo. Lendo como foi esse desenvolvimento na obra de Copleston, vemos que isso se deu com grandes dificuldades. Aristóteles foi adotado com muita relutância por quase todos os teólogos da época, sendo que alguns como São Boaventura o criticaram duramente. Foi só com São Tomás de Aquino que Aristóteles foi aceito por completo. Guilherme de Auvergne, São Boaventura e Duns Scotus permitiram que influências platônicas entrassem em seus sistemas. São Tomás foi aquele que mais rejeitou o platonismo, de maneira que ele adotou Aristóteles mesmo quando o ensinamento do filósofo grego provocava óbvias dificuldades, como no caso da eternidade do mundo. É preciso salientar que a filosofia medieval é muitas vezes expressa de maneira confusa pelos teólogos da época. No entanto, quase todos eles tinham uma visão otimista do mundo, reconheciam a criação ex nihilo e afirmavam a liberdade da vontade.

Os capítulos mais importantes do livro são sobre Santo Agostinho, Escoto Erígena, São Tomás de Aquino e Duns Scotus. Santo Agostinho foi profundamente influenciado por Plotino e sua filosofia foi a dominante na igreja católica até o século XIII. A filosofia política de Agostinho e suas reflexões filosóficas sobre o tempo são muito superiores a qualquer coisa que São Tomás já tenha escrito. Escoto Erígena teve a influência neoplatônica do Pseudo-Dionísio e desenvolveu uma filosofia muito diferente da dos outros medievais. Ele enfrentou o problema do mal no mundo e negava a eternidade das penas do inferno. Sua filosofia lembra a de Orígenes. Quanto a São Tomás e Duns Scotus, a interpretação de Copleston sobre a filosofia dos dois teólogos é bem melhor e mais crítica que a de Étienne Gilson. Isso porque toda a tensão da fusão entre teologia cristã e o sistema aristotélico na filosofia tomista recebe um tratamento especial. É possível fazer uma comparação entre o tomismo e São Boaventura e o primeiro e Duns Scotus de forma mais fácil do que no livro de Gilson. Na parte de Duns Scotus, achei que a explicação de Copleston para a complicada questão da individuação foi insuficiente. O conceito da hacceitas de Duns Scotus merecia uma explicação melhor. O melhor do livro foi ver a tensão entre o sistema agostiniano-platônico de São Boaventura e o sistema aristotélico de São Tomás. São Boaventura parte do exemplarismo e sua antítese é  Aristóteles, que  nega a criação e a providência divina. São Boaventura rejeitava com todas as forças a ideia da eternidade do mundo, e afirmava que era filosoficamente possível demonstrar que o mundo não era eterno, o que era o contrário que São Tomás pregava. Copleston também mostra a reação de Duns Scotus ao aristoteleismo extremo de São Tomás na questão da união da alma com o corpo.  Para São Tomás, a alma está tão ligada ao corpo que, quando separada deste, é incapaz de adquirir novos conhecimentos. Duns Scotus afirma que essa doutrina tomista é degradante para a alma e que essa pode continuar aprendendo mesmo após essa separação, já que a alma retém a capacidade de abstração.

Resenha: Conferências sobre a história da filosofia política, de John Rawls

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John Rawls realizou durante décadas entre 1970 e 1990 séries de conferências sobre filosofia política que agora foram reunidas nesse livro. Desde Hobbes até Joseph Butler, as aulas de Rawls na universidade de Harvard são reproduzidas para que o leitor tenha ideia de como o filósofo americano via alguns de seus antecessores nessa área da filosofia política que era relativamente desprezada no mundo anglo-saxão no século XX. É um fato muito conhecido que Rawls resgatou na sua obra Uma Teoria da Justiça a tradição do contrato social. Por isso é muito interessante perceber qual é a visão que ele tinha de alguns dos filósofos contratualistas do passado. Começando com Hobbes e sua visão pessimista da natureza humana, e também por Locke, Rousseau, Hume e Mill, até chegar em um crítico do pensamento liberal como Marx,  Rawls vai identificando em cada um deles seus pontos fortes e suas fraquezas. Sua conferência sobre Hobbes é definitivamente a mais completa e profunda do livro, apesar de que esse filósofo não foi uma grande influência sobre Rawls. Quando ele fala sobre John Locke, percebe-se que a tolerância que o sistema desse filósofo para as desigualdades políticas e de representação por causa da sua afirmação de que só proprietários poderiam votar e se eleger é intolerável para Rawls.

É uma pena que a filosofia moral de Kant não esteja nesse livro, uma vez que foi esse filósofo quem mais influenciou Rawls. A filosofia de John Rawls é profundamente democrática e visa criar uma sociedade bem ordenada com oportunidades iguais para todos. Esse é o ponto central do liberalismo norte-americano que é diferente do liberalismo brasileiro. Esse último durante as últimas décadas virou o porta-voz da defesa de uma série de desigualdades por causa da questão do “mérito”. Rawls foi um crítico dessa noção de meritocracia e um defensor da expansão de direitos fundamentais aos excluídos da sociedade.  Para ele, ninguém merece a priori seus talentos naturais, e imaginar que o crescimento financeiro de uma pessoa é devido aos seus supostos méritos morais é simplesmente insensato, porque como demonstra Rawls, quando as habilidades de uma pessoa não são mais desejadas pelo conjunto da sociedade, a qualidade moral de uma pessoa não se deteriora. Se na sociedade atual alguns artistas ganham salários nababescos, isso não quer dizer que eles tenham mais mérito ou sejam moralmente superiores a professores que ganham salários baixos. É muito interessante notar que o liberalismo brasileiro passou a adotar um princípio de mérito parecido com o judaico-protestante, que associa a riqueza a um favorecimento divino, e a pobreza a algum tipo de preguiça ou falha no caráter. Ser pobre é ser culpado de não compreender o princípio do mérito. Notemos que o partido Democrata nos Estados Unidos baseia muitos de seus princípios nas ideias de Rawls. É sempre bom lembrarmos que o ideal norte-americano  sempre foi o da igualdade, e é essa a tradição que Rawls busca resgatar.

Resenha: A Evolução Criadora, de Henri Bergson

Evolução Criadora

Henri Bergson foi uma grata surpresa quando o li pela primeira vez falando sobre  como a ciência só percebe a imobilidade da matéria. Para Bergson, a vida é móvel e a evolução é um processo criador que exclui a ideia de um finalismo radical. A evolução dos organismos sobre a Terra é algo que a ciência dificilmente poderá provar, pois “ há coisas que apenas a inteligência é capaz de procurar, mas que, por si mesma, não encontrará nunca. Essas coisas, apenas o instinto as encontraria; mas não as procurará nunca.” A inteligência é despertada no ser humano pelo ato de organizar o sólido inorganizado, pois o que existe de fluido na natureza e de vital no ser vivo lhe escaparão inteiramente, segundo Bergson. “ Nossa inteligência só se representa claramente a imobilidade”, diz ele. Como o ser humano se sente mais à vontade com os sólidos e a imobilidade, Bergson demonstra como nós ficamos espantados e maravilhados com a mobilidade do ser vivo e do mecanismo da evolução. A vida cria, e a inteligência humana não admite esse tipo de novidade, de maneira que a “inteligência é caracterizada por uma incompreensão natural da vida.” Neste livro, Bergson faz uma famosa  analogia do conhecimento humano com o método do cinema. Da mesma forma como esta última invenção da inteligência humana à época do nosso filósofo, o conhecimento que nós temos da matéria viva é feito de diversas “fotografias” da imobilidade postas em sequência, para com isso dar uma aparência de movimento tal como é feito no cinema. A ciência não é capaz de observar o devir constante da matéria. O erro está em pensarmos que o nosso conhecimento é feito de uma coleção de imobilidades. Se acreditarmos nisso, diz Bergson, cairemos no antigo sofisma de Zenão de Eléia. Esse filósofo nos deu o seguinte paradoxo: Se atiro uma flecha do ponto A para o ponto B, na verdade posso afirmar que a flecha nunca atingirá seu alvo, pois na verdade a flecha estará sempre imóvel. Mas isso é um absurdo, segundo Bergson. Ele explica que, “no fundo a ilusão provém do fato que, uma vez efetuado, o movimento depositou ao longo do trajeto uma trajetória imóvel na qual podemos contar tantas imobilidades quanto quisermos. De onde se conclui que o movimento, efetuando-se, em cada instante depositou embaixo de si uma posição com a qual coincidia. […] supor que o móvel está em um ponto de trajeto é, por um golpe de tesoura dado nesse ponto, cortar o trajeto em dois e substituir por duas trajetórias a trajetória única que era dada de início. É distinguir dois atos sucessivos ali onde, por hipótese, há um só. Enfim, é transportar para o próprio curso da flecha tudo o que se pode dizer do intervalo percorrido, isto é, admitir a priori esse absurdo  de que o movimento coincide com o imóvel.” A ciência moderna ainda está impregnada pela metafísica dos antigos, para quem a realidade está dada desde a eternidade, diz Bergson. Ele conclui afirmando que nosso pretenso empirismo cai por terra quando vemos que nossa ciência como a física, a química e a biologia, só estudam a matéria inerte. Todas essas ciências têm dificuldade em admitir uma realidade que cria, segundo Bergson. Com um estilo que lembra o de Schopenhauer, quando lemos Bergson entendemos o porquê dele ter sido agraciado com um prêmio Nobel em 1927. O livro é espetacular!

Resenha: História do Pensamento Ocidental, de Bertrand Russell

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A História do pensamento ocidental de Bertrand Russell é um livro excelente, embora um tanto resumido, para que aqueles que estejam interessados em filosofia tenham um primeiro contato com essa disciplina. O livro é bastante crítico com a maioria dos filósofos. Isso é muito bom porque vai além daqueles livros de introdução à filosofia que só fazem apresentar as principais ideias dos filósofos sem nenhum tipo de advertência contra ideias contraditórias. A melhor parte do livro é sobre os filósofos gregos, porque ali Russell foi mais profundo e detalhado do que no resto do livro, o que é uma pena, pois esta obra tinha potencial para ser ainda melhor. O autor não esconde sua preferência por filósofos como Pitágoras e Platão, sendo que ele é bastante crítico da filosofia de Aristóteles, classificando sua cosmologia muito acertadamente de “lunatismo”. Passando para a Idade Média, o livro torna-se um pouco enfadonho, pois Russell fala mais sobre aspectos históricos do que sobre a filosofia em si. Achei  que o tratamento que ele dá a Santo Agostinho é muito ruim e não faz justiça a esse filósofo. Quando ele fala sobre Escoto Erígena ele é mais fiel ao que esse filósofo quis dizer. Sobre São Tomás de Aquino, ele reconhece que sua obra é monumental, mas muitos dos seus argumentos são falhos, como as provas da existência de Deus. Russell critica São Tomás pela sua ignorância do grego e da matemática. Quando o livro chega ao Renascimento ocorre o mesmo problema da parte sobre a Idade Média, porque novamente a História prevalece. Na filosofia moderna, Russell dá boas explicações sobre Descartes , Spinoza e Leibniz, esse último sendo um dos heróis filosóficos do autor. O que achei mais surpreendente, o que me fez gostar ainda mais do livro, foi o reconhecimento da importância da filosofia de Vico. Russell o considera como superior a Hegel e Marx pela razão de que Vico não era um progressista romântico como os dois primeiros, mas que ele reconhecia que no processo histórico a civilização pode muito bem retroceder e voltar a períodos de decadência e barbárie. Isso aconteceu com a Europa, a China e com o Islã. Este livro de Russell é um resumo da sua História da filosofia ocidental, mas mesmo assim eu o recomendo. Para ser usado nas escolas não é muito bom por ser muito resumido, apesar de que em vários momentos sua crítica é extremo valor.