Resenha do Segundo Tratado sobre o Governo, de John Locke

 

Locke governo civil

 

A filosofia política de John Locke foi uma consequência lógica do protestantismo inglês, e foi a base para o surgimento da maior nação de todos os tempos: os Estados Unidos.

Locke era um contratualista, de maneira que ele também acreditava que o homem vivia em seu estado original uma vida em estado de natureza. Cada homem era o seu próprio juiz, e a propriedade privada encontrava sua existência e limitação pelo trabalho humano, mas como começaram a surgir problemas para a delimitação do tamanho da propriedade, e a necessidade de um poder independente para ser o juíz dos homens, nasceu,assim, o governo, ou Estado.

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Resumo da Filosofia de Hobbes: O Nominalismo e a Negação da Liberdade

Hobbes

O pensamento de Hobbes
Hobbes define a filosofia como o estado das coisas à luz da razão e exclui dela tudo o que depende da revelação. O sistema de Hobbes pode ser definido por este princípio:” todo ser é corporal e tudo o que acontece se explica pelo movimento”, ele continua:” toda a mudança se reduz a um movimento dos corpos modificados, a saber, das partes do agente ou do paciente”.

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Resenha de O Século Soviético, de Moshe Lewin

Seculo Sovietico

 

A União Soviética foi a maior experiência revolucionária da história, e sua existência marcou o século XX nas áreas política, econômica, tecnológica e militar. Moshe Lewin defende a ideia de que a revolução foi positiva, apesar dos crimes de Stalin em seu Grande Terror e no processo de industrialização durante a década de 1930. Uma tese polêmica do autor é que ele diz que Lenin em seus últimos dias lutou para evitar que o poder caísse nas mãos de Stalin, e que sua última vontade era de criar um regime que fosse lentamente caminhando para uma democracia.

Se analisarmos a mentalidade de Lenin, veremos que essa tese de Lewin é falsa. A mentalidade do comunismo só funciona com a existência de um líder que concentre em suas mãos todo o poder. Lenin nunca admitiu concorrência, e viu em Stalin um homem de ação, que ele preferiu ter como homem de confiança muito mais do que o teórico Trotsky. Lewin tenta inocentar Lenin dos futuros crimes de Stalin, mas não convence.

O autor não escreve muito sobre o período stalinista, preferindo se concentrar em Khrushchov e seus sucessores. Ele louva às conquistas do mundo soviético como a educação em massa, uma legião de leitores entre a população e a existência de uma ordem pública.

Lewin também demonstra que a experiência da liberação do aborto na década de 1920 resultou em um grave problema de natalidade e de invalidez entre às mulheres. Stalin dificultou o aborto na década de 1930. Outra distorção foi o fato da busca forçada de igualdade entre homens e mulheres, em que essas últimas foram obrigadas a realizar trabalhos pesados na indústria, o que prejudicou sua saúde física e mental.

Lewin é contraditório em elogiar aos feitos do comunismo, ao mesmo tempo que tenta dissociá-los do regime de Stalin. Ora, se a União Soviética foi o que foi, isso se deve em sua maior parte à personalidade se Stalin, ou Lewin acha que a indústria pesada, e o complexo militar e espacial soviético surgiram graças a quem?

Se o bolchevismo foi vitorioso, diz Lewin, isso se deve ao fato de que o exército Branco na guerra civil russa tinha como objetivo ressuscitar o feudalismo-escravocrata do czarismo, assim como o velho antissemitismo russo. O exército Branco perdeu porque não tinha nada a oferecer à população.

No final do livro, Lewin lamenta a situação atual da Rússia, que está dominada por gângsters, mafiosos e drogados. Todo o sistema soviético de proteção social desapareceu, e nada foi oferecido que fosse superior ao que existia.

Agora, uma reflexão sobre as inegáveis conquistas do regime soviético: Tudo isso fez valer o sacrifício de milhões nos Gulags, no Grande Terror, na perseguição aos religiosos, e sobretudo em uma tentativa que se revelou trágica de criar um homem novo e uma sociedade nova? A resposta é não. O livro de Lewin é uma boa reflexão sobre esse período, especialmente se você gosta de ler sobre a revolução russa e a história do comunismo.

Sistema Nacional de Economia Política, de Friedrich List

List

 

List estava certo
O grande economista alemão Friedrich List era um apaixonado defensor do protecionismo e do nacionalismo econômico. Ele demonstra através do exemplo de diversas nações como a Inglaterra, os Estados Unidos, a França e a Alemanha como se deu a industrialização nesses países, e a razão do fracasso da indústria manufatureira em outros, como a Espanha e Portugal.

A Inglaterra e os Estados Unidos são o exemplo de como o protecionismo comercial no início da industrialização leva ao sucesso de todo o processo, e de como a abertura em estágios iniciais feita por Portugal e Espanha levam ao desastre e a miséria.

A Inglaterra é tida por List como o grande exemplo de sucesso do governo que protege a indústria manufatureira. Os ingleses eram mestres do protecionismo e da arte de fraudar as alfândegas de diversos países.

Os ingleses deram um grande salto na sua industrialização através do tratado de Methuen que, ao contrário do que acreditava Adam Smith, foi um desastre para Portugal, pois inundou o país de bens manufaturados na Inglaterra, ao mesmo tempo em que os ingleses ficavam com todo o ouro e prata do Brasil, sendo que eles utilizavam esses metais para comprar bens manufaturados na Índia, os quais eram vendidos com um preço baixo para o continente europeu, destruindo assim as indústrias da Alemanha e França, por exemplo.

Esse tratado destruiu a indústria portuguesa e deu um grande impulso à indústria e riqueza da Inglaterra. List também considera que a liberdade religiosa e de pensamento são fundamentais para a industrialização. Essas virtudes a Inglaterra possuía, mas era desconhecida em Portugal e na Espanha por causa da Inquisição.

Se olharmos para a história recente, veremos que países como a China, o Japão, a Coréia e mesmo a Alemanha, no início de sua industrialização, fizeram o que List pregava: a importação de matérias -primas e a exportação de manufaturados, isso aliado a um câmbio desvalorizado e competitivo.

Resenha de A Ditadura Envergonhada, de Elio Gaspari

Ditadura envergonhada

 

Os militares e o golpe de 1964
“Ignorar aquilo que aconteceu antes de você nascer, é permanecer para sempre uma criança” (Marco Túlio Cícero)

Para pessoas como eu, que só viveu um pequeno período da ditadura, esse pensamento de Cícero serve de alerta para que não voltemos a cometer o mesmo erro, e que valorizemos o valor da liberdade e da democracia.

Gaspari fez uma ampla pesquisa no Brasil e nos EUA para publicar um livro que, inicialmente, resumiria-se a história de Geisel e Golbery; no entanto, quando ele se deu conta, o livro já contava histórias de personagens diversos que participaram do golpe de 64 e dos governos militares que se seguiram. Em a ditadura envergonhada, Gaspari relata os últimos momentos do governo João Goulart e os bastidores do exército preparando-se para o golpe. O objetivo do autor é escrever um livro sobre como Geisel e Golbery ajudaram a derrubar Jango, ao mesmo tempo que iniciaram o processo de abertura do governo militar entre os anos de 1974 e 1979. Agora tentarei fazer uma análise dos acontecimentos do primeiro livro da série.

O primeiro capítulo, “o exército dormiu janguista”, narra os últimos acontecimentos do governo João Goulart na presidência. Goulart governava com um frágil equilíbrio de forças e com poder de ação limitado. Gaspari considera-o como uma personalidade fraca. O grande motivo de sua queda foi a reação de alguns setores mais conservadores da sociedade, como o exército e a igreja , às suas propostas de reformas de base. Esse capítulo, porém, exibe uma maior preocupação com os líderes militares e suas ações e reações ao discurso da central do Brasil, assim como as primeiras manobras que viriam resultar na revolução.

O capítulo seguinte ,“ o exército acordou revolucionário” ,é concentrado em algumas figuras como Castello Branco e Costa e Silva, assim como em alguns outros comandantes do exército de algumas regiões do país. Gaspari aproveita o acesso que teve aos arquivos norte americanos para contar a participação do governo Kennedy no golpe militar de 1964. Um personagem que surge com força é o embaixador americano Lincoln Gordon, que deu todo apoio ao golpe e ainda ofereceu ajuda militar, em uma operação conhecida como Brother Sam.

Gaspari dedica dois capítulos para contar a história de como Golbery criou o SNI, inspirado na CIA, e de como Fidel Castro ajudou diversos revolucionários de esquerda, principalmente a Brizola. Uma parte muito boa do livro é aquela em que o autor nos narra os diversos acontecimentos políticos e culturais que estavam acontecendo no Brasil e no mundo nos anos 1960. Tirando o fato de que vivíamos uma ditadura, essa época parece ter sido muito boa para se viver.

O livro também nos faz rir em alguns momentos quando, por exemplo, lemos os ridiculamente reacionários editoriais do jornal O Estado de São Paulo.

A questão da tortura e da espionagem parecem ser uma herança que o governo militar herdou do governo Vargas. Gaspari atribui à direita o início do processo de radicalização da política brasileira no início dos anos 1960. A corrida armamentista produzida pelos revolucionários de esquerda foi consequência da reação da direita.

O livro em alguns momentos é um pouco confuso, faltando a Gaspari a sobriedade e beleza da tradição dos historiadores ingleses aos quais estou acostumado a ler. Em vários momentos o leitor precisa absorver uma enxurrada de nomes e acontecimentos, o que dificulta um pouco a leitura, mas esse período da história do Brasil é muito importante, por isso eu creio que o leitor pode deixar passar essas pequenas falhas do autor.

Para quem pensa em ler um livro que conte como foi o governo João Goulart e um estudo sobre sua personalidade e ideias, esse livro não é recomendado. Trata-se de uma obra que esclarece os bastidores do exército e suas hierarquias, com ótimas passagens que esclarecem a participação americana no golpe, assim como a introdução da tortura e a promulgação do AI-5.

Resenha de Hitler, Volume 2, de Joachim Fest

hitler - joachim fest

Hitler e a Alemanha
Joachim Fest diz que a Alemanha do início do século XX, apesar de seu progresso econômico, convivia com uma atmosfera romântica, onde sobressaíam figuras míticas de deuses antigos. Havia um espírito pessimista romântico e um culto do folclore germanístico. Os sentimentos de hostilidade à civilização foram associados ao nacionalismo, ao darwinismo social e ao racismo. Nietzsche havia declarado que ” a índole dos alemães era hostil à idade das luzes e subsistia uma adoração pelo passado, não dando lugar aos objetivos renovadores futuros. Substituiu-se o culto da razão pelo instinto”.

Fest culpa Richard Wagner por mobilizar a arte para condenar o mundo moderno. O resultado era o pessimismo a respeito do futuro, a angústia relativa à raça, o ideal antimaterialista, o temor diante de uma era de liberdade e igualitarismo, com o pressentimento de um declínio próximo.
Uma característica do fascismo é o culto dos sonhos mortos dos seus antepassados e o gosto pelo folclore. Na Alemanha os resultados foram o culto das danças populares, a festa do solstício de verão e a exaltação das mães de família de prole numerosa. Fest cita Thomas Mann que referiu-se a isso como “uma explosão arcaica”.Ao contrário do que pensavam os reacionários, Hitler não pensava de forma alguma ressuscitar os velhos tempos. O que ele pretendia era um reavivamento do instinto. Será que podemos ver aí uma influência de Nietzsche? O que o fascismo tinha de superior ao comunismo era que ele compartilhava as angústias da civilização e conferia um certo encantamento à vida cotidiana. O fascismo era uma rebelião a favor da ordem. Mussolini falava com desprezo da “deusa liberdade”. Podemos perceber essa mentalidade hoje em dia em que muitos no Brasil desejam sacrificar a liberdade a favor de um governo forte e autoritário, que promova uma suposta “ordem”.

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Hitler colocou no Mein Kampf o seu nacionalismo, seu anticapitalismo, seu culto à tradição, seu desejo de expansão, seu antimarxismo e seu antissemitismo. Hugh Trevor-Roper em uma descrição impressionante fala sobre Hitler:” faz lembrar uma antiga estátua bárbara erguida em meio a detritos de todos os dejetos intelectuais dos séculos passados”.

Hitler compartilhava com a direita católica o pavor da revolução de esquerda latente desde 1789 e soube compartilhar essa angústia com o povo. Sua mentalidade tendia a ter predileção pelas eras glaciais. Seu amigo Kubizek já havia notado a tendência de Hitler de “passar por cima de milênios com a maior calma”.Sua obsessão em combater os judeus era porque se considerava “a outra força” escolhida para salvar o universo ” e repelir o mal para os domínios de Lúcifer”. Ele disse de maneira blasfema: ” defendendo-me contra o judeu, luto pela obra do senhor”. Acreditava que a mistura racial e a contaminação do sangue eram os responsáveis pela decadência dos povos. Podemos ver o ódio de Hitler à União Soviética que ele associava ao judaísmo, e assim entendemos a simpatia despertadas entre tantos do clero católico e do protestante.

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Fest reconhece que houve no nacional socialismo traços propriamente alemães, mas eles são de uma natureza mais distinta e complexa do que se possa imaginar. A consciência alemã não conseguia aliar-se às tendências democráticas. Mas o antissemistismo não era um fenômeno tipicamente alemão. Enquanto Maurras e a direita católica na França invocavam “a glória da deusa França”, Hitler imaginava um império que iria até os Urais e que ele aniquilaria as raças que se opusessem a ele.

A Alemanha sentia pavor de uma revolução e havia um culto da ordem e do estado como um “para-raios” do mal, daí surgirá a fé no Fuhrer. Os alemães sentiam necessidade de proteção. Fest acredita que a falta de cultura política e as ideologias de tendência mitológica de Wagner são a chave para se compreender a chegada de Hitler ao poder.Wagner escreveu:” um político é repugnante”. Thomas Mann tinha ele mesmo um caráter romântico, afastado da realidade e sentia uma nostalgia por uma política apolítica.

Surge então uma das características do nazismo: a ideia de redenção pela arte. Apesar de eu gostar de Schopenhauer, seu caráter apolítico me incomoda. Fest o critica por tentar fazer da música uma solução para as tragédias da vida. Richard Wagner tentou fazer do teatro ” o fim da política e o começo da humanidade”. Para ele a política deve se tornar um grande espetáculo, o estado uma obra de arte e o artista deve tomar lugar do homem de estado. Walter Benjamin chamou o fascismo de “estetização da política”. Para Hitler nada havia fora da arte.

Fest conseguiu nesse livro explicar como o fenômeno do nazismo pôde acontecer na Alemanha. Angústia pela revolução, culto da arte e da mitologia, desprezo pela política e racismo diferenciavam a Alemanha de outros países.

Resenha de Hitler, de Joachim Fest

hitler

A ascensão de Hitler ao poder
Essa é a melhor biografia de Hitler disponível. Joachim Fest mostra como um jovem obscuro, que levava uma vida sem objetivos, conseguiu chegar ao poder.Fest atribui ao caráter apolítico do povo alemão influenciado principalmente por Richard Wagner,a angústia do presente e negação estetizante de realidade, os fatores decisivos para que Hitler pudesse conseguir seus objetivos.Os alemães acreditavam na salvação pela arte e estavam mergulhados em mitologia, desprezando a política.O livro se concentra mais na chegada de Hitler ao poder do que no período da guerra. O autor não explica a origem do ódio de Hitler aos judeus, e isso acaba sendo uma parte que não fica bem esclarecida. Segundo o historiador Friedrich Heer, a origem do ódio de Hitler aos judeus está na cultura austríaca e nas deficiências do catolicismo. Mas Fest não fala sobre isso. Também não concordo com a tentativa de Fest de incriminar Schopenhauer pelo nazismo. A filosofia de Schopenhauer nada tinha em comum com as obsessões de Hitler.O ditador alemão via a si próprio mais como artista e arquiteto do que como político, e o aspecto teatral do regime nazista, com a influência de Wagner, a quem Hitler idolatrava, é bem destacado no livro.O capítulo “a visão” é o melhor do livro. Mostra a visão da história que Hitler tinha e suas imagens apocalípticas de “eras glaciais” e “milhões de anos”.O que fica claro é que Hitler era muito mais revolucionário e moderno do que seus adversários conservadores.

Joachim Fest fez uma afirmação polêmica no início do livro: a de que Hitler teria sido um dos maiores alemães se tivesse morrido em 1938. Na obra de John Lukacs, ” o Hitler da História”, podemos ver por que isso poderia ser verdade: Hitler dimimuiu drasticamente o desemprego, aumentou a taxa de natalidade alemã e fez com que o número de suicídios entre os jovens diminuísse muito.

Fest escreve muito bem e considero esse livro muito superior à biografia de Ian Kershaw.

Resenha de Hitler, de Ian Kershaw

hitler ian kershaw

A biografia de Hitler, de Joachim Fest, é muito superior
O grande problema do livro é o fato de Ian Kershaw não ser um bom escritor. Seu estilo é chato e burocrático.Vou tentar fazer uma pequena comparação entre essa biografia e a de Joachim Fest.

A descrição da juventude de Hitler em Viena é diferente nos dois autores. Enquanto Kershaw se concentra muito na suposta origem do antissemitismo de Hitler em Viena, e fica muito dependente das memórias do Mein Kampf, Fest demonstra que o que marcava Hitler em sua juventude era seu caráter apolítico, e sua idolatria a Richard Wagner.

O compositor e Hitler tinham em comum o caráter extremado de suas reações e o estado permanente de exaltação, no qual depressões e euforia se alternavam. Sem a ópera e a arte demagógica de Wagner, o estilo representativo do III Reich é inconcebível.

Kershaw nada tem a dizer sobre as influências filosóficas sobre Hitler. Fest escreve sobre a influência do Darwinismo Social e, principalmente, Richard Wagner, com o seu misticismo da depuração de sangue em Parsifal.

Ian Kershaw escreveu um livro longo sem explicar como foi possível que Hitler chegasse ao poder na Alemanha. Joachim Fest explica longamente durante o livro o caráter apolítico do povo alemão. Havia o ressentimento estético-intelectual contra a política e o país estava tomado pelo pensamento mitológico.

Existia um romantismo e uma tentativa de redenção pela arte e fuga da realidade. Foi isso que Hitler ofereceu ao povo alemão: a tentativa de fuga da política através da teatralização da vida cotidiana.Como disse Walter Benjamin, o fascismo é a “estetização da política”.

A biografia escrita por Joachim Fest é muito melhor e mais bem escrita.

Recomendo também a obra Hitler’s Vienna, de Brigitte Hamann, que é muito detalhada e explica a origem de muitas das obsessões de Hitler em sua juventude.

Resenha de A Arte da Política, de Fernando Henrique Cardoso

Arte da Politica

 

Para quem gosta de política
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso relembra no início do livro o começo de sua vida política, passando pelos últimos anos do governo militar, as greves do ABC e pela sua fracassada disputa pela prefeitura de São Paulo . A elaboração da constituinte de 88 também é discutida, assim como a formação do PSDB. Mas o grande destaque do livro do ex-presidente é mesmo o plano real, um fator que mudaria o país.

No governo Itamar, vários ministros da fazenda já haviam sido demitidos, até que o presidente convocou para o cargo o ex-senador e ministro Fernando Henrique Cardoso. Ele logo chamou para apoiá-lo os economistas da PUC-Rio, tendo como objetivo acabar com a inflação.
Foi uma luta árdua. O Brasil estava fora do mercado desde a moratória em 1987, e o futuro ministro da fazenda de FHC, Pedro Malan renegociava a dívida. No Brasil , os desafios eram imensos. Não se sabia o quanto os estados deviam à união; o orçamento público era uma peça de ficção e as estatais eram deficitárias. O Brasil ainda era um país extremamente estatizado.

A inflação gerava lucros para os bancos e os grandes empresários, mas a população pobre e de classe média sofria. O plano real acabaria sendo um sucesso. FHC continua suas memórias falando como se mudou para Brasília, a importância que ele dava à imprensa e o início de formação de seu governo, quando ele precisava escolher nomes para os diversos cargos e ministérios de seu governo. Ele menciona a importância de se costurar alianças, especialmente com o antigo PFL e com o PMDB. É inegável o talento do ex-presidente nessa arte da negociação política.

FHC escreve sobre o projeto de reeleição, que tinha grande apoio popular, e sobre a suposta compra de votos por parte de seu governo para a aprovação do projeto. Nada foi provado, mas nesse episódio fica claro como o PT de então reagia com histeria às denúncias de corrupção no governo por parte da imprensa, essa mesma imprensa que hoje alguns petistas chamam de PIG. Ou seja, contra FHC as denúncias da Veja, da Folha e do Globo valiam, mas contra o PT não valem. FHC teve que enfrentar diversas denúncias de corrupção no seu governo, mas nunca atacou a liberdade de imprensa. Teve que agir rápido quando o senador Antônio Carlos Magalhães abusou de sua confiança.

Creio que o grande motivo de desgaste do governo Fernando Henrique foi a sua insistência na âncora cambial. Isso iria gerar grandes déficits em conta corrente e na balança comercial ao longo de seu primeiro mandato. Mas, pensando bem, o que FHC poderia fazer? Naqueles anos de 1995, 1996 e 1997 o investimento e o consumo explodiram ( devemos lembrar que as vendas de automóveis de 97 só foram superadas quase 10 anos depois), assim como o poder de compra dos trabalhadores. Milhares de pessoas saíram da miséria causada pela inflação e foram lançadas ao mercado de consumo.

Havia no governo o debate entre José Serra e Gustavo Franco a respeito do câmbio. Serra a favor de uma desvalorização cambial e Gustavo Franco defendendo a âncora cambial. Esse debate teria fim em janeiro de 1999 quando o real passou a flutuar. O grande azar de FHC e do Brasil seria que naquela época ainda não havia a China e nem um aumento expressivo do valor das commodities para socorrer nosso país como aconteceu no governo Lula.

O governo FHC teve a seu favor a modernização do estado, a implantação de programas sociais e ,principalmente, uma ampla discussão sobre a importância da educação. Seu governo universalizou a educação básica, criou o provão e o Enem, e fez milhares de pessoas voltarem aos bancos escolares. Creio que o saldo de seu governo, apesar do racionamento de energia e do erro na questão cambial, foi positivo. A partir do ano 2000 com o câmbio flutuante o Brasil passaria a gerar grandes superávits comercias. Pena que FHC só pode aproveitar isso por pouco tempo.

Recomendo o livro para pessoas que como eu adoram política e sabem reconhecer os méritos de nosso ex-presidente.

Resenha de A Saga Brasileira, de Miriam Leitão

Saga Brasileira

 

A conquista da estabilidade pelo Brasil
O Brasil do século XX sofreu intensamente com a inflação. Foram diversos governos, como o de Getúlio, de Juscelino e os militares que ajudaram sim o país a crescer, mas também gastaram mais do que arrecadaram e alimentaram irresponsavelmente a inflação.

O livro da jornalista Miriam Leitão nos fala sobre essa doença que o Brasil sofreu durante décadas sem que uma solução fosse encontrada. Miriam escreve mais sobre o plano cruzado, o plano Collor e o real. O governo Sarney havia herdado do governo militar contas públicas confusas, inflação alta, gastos excessivos, poucas reservas e estatizado no mesmo nível que países comunistas.

Durante o governo Sarney havia o choque de dois grupos de economistas: os da Unicamp, que defendiam investimentos públicos com alguma inflação, e os da Puc-Rio, que julgavam que o corte de gastos e a inflação controlada eram os melhores caminhos. No governo Sarney, os economistas da Unicamp ganharam.

Para aqueles que viveram ( como eu) aqueles dias de inflação alta e falta de produtos nas prateleiras e vendo os fiscais do Sarney , isso pode hoje até parecer engraçado e gerar uma certa nostalgia pela nossa infância. Para os que não viveram , histórias como a operação de caça ao boi no pasto será lida como algo ridículo, mas foi tudo, infelizmente, verdade.

O Brasil herdou uma pesada e perigosa herança do governo militar, como, por exemplo, a conta movimento entre o Banco do Brasil e o Banco Central. Como nos diz Miriam Leitão, um verdadeiro absurdo.
A história do plano cruzado e do plano Collor é contada em detalhes. Miriam intercala sua narrativa com depoimentos de pessoas comuns que viveram aqueles anos dramáticos. O resultado é excelente, pois Miriam escreve bem e transmite segurança em suas palavras.

Miriam narra a chegada ao ministério da fazenda de Fernando Henrique Cardoso e como ele reuniu os economistas da Puc-Rio para lançar a ideia do real. O governo Itamar continuaria o processo de privatização iniciada no governo Collor que ajudaria a modernizar a nossa indústria e a diminuir a inflação.

O plano real acabaria sendo um sucesso, pois a população entendeu o plano e percebeu os benefícios de viver em um país sem inflação. Na época o candidato Lula da silva não percebeu a força do plano e acabou perdendo as eleições no primeiro turno para Fernando Henrique.

Miriam nos conta como Fernando Henrique Cardoso teve um imenso trabalho para estabilizar o país, privatizar a Vale e a Telebras, e desarmar uma verdadeira bomba que eram os bancos estaduais. O PROER seria considerado polêmico, mas ajudou o Brasil a ter um sistema bancário seguro, moderno e eficiente.

Considero que o governo Fernando Henrique foi injustiçado nas suas estatísticas sobre o crescimento do PIB. Nos três primeiros anos de seu governo o consumo explodiu ( a venda de veículos, por exemplo, de 1997 só seria superada quase 10 anos depois), milhares de pessoas alcançaram a classe média e saíram da miséria, e mesmo assim as taxas de crescimento do PIB são ridículas. Acho que o Brasil perdeu muito com isso em termos de investimento externo.

A parte mais interessante do livro para mim é a que narra a crise econômica de 1997 e o dilema do governo sobre se deveria ou não desvalorizar o real. A moeda acabaria sendo desvalorizada, e as previsões de que a inflação voltaria e que o Brasil sofreria uma catástrofe não se confirmaram. Mais uma vez o Brasil foi mais forte.
Miriam Leitão não esconde sua admiração por Fernando Henrique, e nos faz perceber o quanto seu governo foi importante para a modernização do país. É preciso que se diga a verdade: o país não começou em 2003 com Lula nem em 1995 com Fernando Henrique. Na verdade o projeto de estabilização da economia brasileira começou no governo Sarney e continuou com Collor de Melo. Todos contribuíram.

Creio que esse livro é importante para que recordemos todo o esforço feito desde a redemocratização para que o país estivesse atualmente em condições favoráveis na sua economia, e com um futuro que poderá ser brilhante, se mantivermos a disciplina e a vigilância.