Os militares e o golpe de 1964
“Ignorar aquilo que aconteceu antes de você nascer, é permanecer para sempre uma criança” (Marco Túlio Cícero)
Para pessoas como eu, que só viveu um pequeno período da ditadura, esse pensamento de Cícero serve de alerta para que não voltemos a cometer o mesmo erro, e que valorizemos o valor da liberdade e da democracia.
Gaspari fez uma ampla pesquisa no Brasil e nos EUA para publicar um livro que, inicialmente, resumiria-se a história de Geisel e Golbery; no entanto, quando ele se deu conta, o livro já contava histórias de personagens diversos que participaram do golpe de 64 e dos governos militares que se seguiram. Em a ditadura envergonhada, Gaspari relata os últimos momentos do governo João Goulart e os bastidores do exército preparando-se para o golpe. O objetivo do autor é escrever um livro sobre como Geisel e Golbery ajudaram a derrubar Jango, ao mesmo tempo que iniciaram o processo de abertura do governo militar entre os anos de 1974 e 1979. Agora tentarei fazer uma análise dos acontecimentos do primeiro livro da série.
O primeiro capítulo, “o exército dormiu janguista”, narra os últimos acontecimentos do governo João Goulart na presidência. Goulart governava com um frágil equilíbrio de forças e com poder de ação limitado. Gaspari considera-o como uma personalidade fraca. O grande motivo de sua queda foi a reação de alguns setores mais conservadores da sociedade, como o exército e a igreja , às suas propostas de reformas de base. Esse capítulo, porém, exibe uma maior preocupação com os líderes militares e suas ações e reações ao discurso da central do Brasil, assim como as primeiras manobras que viriam resultar na revolução.
O capítulo seguinte ,“ o exército acordou revolucionário” ,é concentrado em algumas figuras como Castello Branco e Costa e Silva, assim como em alguns outros comandantes do exército de algumas regiões do país. Gaspari aproveita o acesso que teve aos arquivos norte americanos para contar a participação do governo Kennedy no golpe militar de 1964. Um personagem que surge com força é o embaixador americano Lincoln Gordon, que deu todo apoio ao golpe e ainda ofereceu ajuda militar, em uma operação conhecida como Brother Sam.
Gaspari dedica dois capítulos para contar a história de como Golbery criou o SNI, inspirado na CIA, e de como Fidel Castro ajudou diversos revolucionários de esquerda, principalmente a Brizola. Uma parte muito boa do livro é aquela em que o autor nos narra os diversos acontecimentos políticos e culturais que estavam acontecendo no Brasil e no mundo nos anos 1960. Tirando o fato de que vivíamos uma ditadura, essa época parece ter sido muito boa para se viver.
O livro também nos faz rir em alguns momentos quando, por exemplo, lemos os ridiculamente reacionários editoriais do jornal O Estado de São Paulo.
A questão da tortura e da espionagem parecem ser uma herança que o governo militar herdou do governo Vargas. Gaspari atribui à direita o início do processo de radicalização da política brasileira no início dos anos 1960. A corrida armamentista produzida pelos revolucionários de esquerda foi consequência da reação da direita.
O livro em alguns momentos é um pouco confuso, faltando a Gaspari a sobriedade e beleza da tradição dos historiadores ingleses aos quais estou acostumado a ler. Em vários momentos o leitor precisa absorver uma enxurrada de nomes e acontecimentos, o que dificulta um pouco a leitura, mas esse período da história do Brasil é muito importante, por isso eu creio que o leitor pode deixar passar essas pequenas falhas do autor.
Para quem pensa em ler um livro que conte como foi o governo João Goulart e um estudo sobre sua personalidade e ideias, esse livro não é recomendado. Trata-se de uma obra que esclarece os bastidores do exército e suas hierarquias, com ótimas passagens que esclarecem a participação americana no golpe, assim como a introdução da tortura e a promulgação do AI-5.