Resenha de Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt

Origens do Totalitarismo

“If you have lost possession of a world,

Be not distressed, for it is nought;

And have you gained possession of a world,

Be not o’erjoyed, for it is nought.

Our pains, our gains all pass away;

Get beyond the world, for it is nought.”

Anwari Soheili

Adoro os livros de Hannah Arendt pelo seu jeito de escrever, suas análises filosóficas e a profundidade de seu pensamento. Origens do Totalitarismo é uma de suas obras mais conhecidas. Como eu já li sua obra Eichmann em Jerusalém, percebi que Arendt domina como poucos o tema do antissemitismo. É justamente por essa questão que ela começa o livro. Não esperem que ela vá descrever toda a história da perseguição aos judeus desde a Antiguidade, pois ela não faz isso. O antissemitismo religioso que vigorou até o começo do século XIX foi substituído a partir da segunda metade daquele século por um antissemitismo político. Arendt se concentra em alguns países como a França, a Inglaterra, a Alemanha e a Áustria para demonstrar a evolução do sentimento antijudaico.

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Resenha de Uma Nova República, de John Lukacs

UMA_NOVA_REPUBLICA_

O historiador conservador norte-americano de origem húngara, John Lukacs, queria expor sua profunda convicção que os Estados Unidos caminham para uma sociedade dominada pela inflação, tanto do dinheiro como de palavras e publicidade, pela burocracia, pelo automóvel e o conservadorismo. Para quem já leu a obra de Tocqueville, A democracia na América, a compreensão do livro se torna mais fácil-até porque Lukacs começa seu livro pelo próprio Tocqueville. De uma nação que estava isolada e não tinha objetivos imperialistas, que acreditava nos ideais da democracia, de um ensino de qualidade para as crianças , de um funcionalismo público que não procurava privilégios e que era respeitado pela população, e era uma das nações com a maior taxa de casamentos e natalidade do mundo, os Estados Unidos sofreram uma profunda transformação no século XX em relação ao tempo em que Tocqueville escreveu sua magistral obra.

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Resenha de A Democracia na América, de Alexis de Tocqueville

Democracia na América

Livro obrigatório para quem estuda ciência política, A Democracia na América se mantém como uma obra fundamental para a compreensão do poder e da grandeza dos Estados Unidos. Tocqueville escreveu essa sua obra-prima com apenas 30 anos, e ele demonstrou um profundo entendimento das leis e instituições americanas depois de apenas algum tempo vivendo na América. O resultado é um livro que prova que a liberdade, a busca pela igualdade, o respeito pelos magistrados e à lei e o estabelecimento de instituições democráticas, aliadas a uma constituição que é conhecida e respeitada pelo povo, podem produzir uma nação sem paralelo em qualquer época da humanidade.

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A Tentativa de Imanentizar o Eschaton, por Eric Voegelin

Eschaton

O filósofo alemão Eric Voegelin criou essa expressão na sua obra Nova Ciência da Política (Editora Universidade de Brasília, 1982). Na edição brasileira da Universidade de Brasília, ela é mencionada na página 92, no capítulo “gnosticismo- a natureza da modernidade”. Voegelin escreve: “o homem e a humanidade agora têm sua realização, mas ela está além da natureza. Mais uma vez, nesse caso, não há um eidos da história, porque a sobrenatureza escatológica não é uma natureza no sentido filosófico e imanente. Portanto, o problema do eidos na história só se põe quando a realização transcendental cristã é imanentizada. Contudo, tal hipótese imanentista do eschaton é uma falácia teórica. As coisas não são coisas, nem possuem essência, em virtude de uma declaração arbitrária. O curso da história como um todo não é objeto da experiência; a história não possui um eidos, e isso porque seu curso se estende ao futuro desconhecido. Assim, o significado da história é uma ilusão; e esse eidos ilusório é criado ao se tratar um símbolo de fé como se fosse uma proposição relativa a um objeto da experiência imanente.” [Read more…]

Resenha de O Passado de uma Ilusão, de François Furet

O passado de uma ilusão

O comunismo foi ( e ainda é) um sistema, ou filosofia, que atraiu a adesão de milhões de pessoas no século passado. Vários intelectuais do ocidente, inclusive pessoas religiosas, se sentiram identificadas com a Revolução de Outubro de 1917. François Furet busca nesse livro uma reflexão sobre o passado do comunismo, de forma a demonstrar às semelhanças ou diferenças entre a revolução de Lenin e a Revolução Francesa de 1789.

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Resenha de O Século Soviético, de Moshe Lewin

Seculo Sovietico

 

A União Soviética foi a maior experiência revolucionária da história, e sua existência marcou o século XX nas áreas política, econômica, tecnológica e militar. Moshe Lewin defende a ideia de que a revolução foi positiva, apesar dos crimes de Stalin em seu Grande Terror e no processo de industrialização durante a década de 1930. Uma tese polêmica do autor é que ele diz que Lenin em seus últimos dias lutou para evitar que o poder caísse nas mãos de Stalin, e que sua última vontade era de criar um regime que fosse lentamente caminhando para uma democracia.

Se analisarmos a mentalidade de Lenin, veremos que essa tese de Lewin é falsa. A mentalidade do comunismo só funciona com a existência de um líder que concentre em suas mãos todo o poder. Lenin nunca admitiu concorrência, e viu em Stalin um homem de ação, que ele preferiu ter como homem de confiança muito mais do que o teórico Trotsky. Lewin tenta inocentar Lenin dos futuros crimes de Stalin, mas não convence.

O autor não escreve muito sobre o período stalinista, preferindo se concentrar em Khrushchov e seus sucessores. Ele louva às conquistas do mundo soviético como a educação em massa, uma legião de leitores entre a população e a existência de uma ordem pública.

Lewin também demonstra que a experiência da liberação do aborto na década de 1920 resultou em um grave problema de natalidade e de invalidez entre às mulheres. Stalin dificultou o aborto na década de 1930. Outra distorção foi o fato da busca forçada de igualdade entre homens e mulheres, em que essas últimas foram obrigadas a realizar trabalhos pesados na indústria, o que prejudicou sua saúde física e mental.

Lewin é contraditório em elogiar aos feitos do comunismo, ao mesmo tempo que tenta dissociá-los do regime de Stalin. Ora, se a União Soviética foi o que foi, isso se deve em sua maior parte à personalidade se Stalin, ou Lewin acha que a indústria pesada, e o complexo militar e espacial soviético surgiram graças a quem?

Se o bolchevismo foi vitorioso, diz Lewin, isso se deve ao fato de que o exército Branco na guerra civil russa tinha como objetivo ressuscitar o feudalismo-escravocrata do czarismo, assim como o velho antissemitismo russo. O exército Branco perdeu porque não tinha nada a oferecer à população.

No final do livro, Lewin lamenta a situação atual da Rússia, que está dominada por gângsters, mafiosos e drogados. Todo o sistema soviético de proteção social desapareceu, e nada foi oferecido que fosse superior ao que existia.

Agora, uma reflexão sobre as inegáveis conquistas do regime soviético: Tudo isso fez valer o sacrifício de milhões nos Gulags, no Grande Terror, na perseguição aos religiosos, e sobretudo em uma tentativa que se revelou trágica de criar um homem novo e uma sociedade nova? A resposta é não. O livro de Lewin é uma boa reflexão sobre esse período, especialmente se você gosta de ler sobre a revolução russa e a história do comunismo.

Resenha de O Desaparecimento da Infância, de Neil Postman

Desaparecimento da infancia

 

O fim da mais bela das invenções do Renascimento: a infância
“Crianças são mensagens vivas que enviamos a um tempo que não veremos” Neil Postman

Esse livro profético, escrito originalmente em 1982, constatava já nessa época o fenômeno do surgimento da criança-adulto e do adulto-criança. Postman faz uma viagem na história, em um tempo em que,segundo ele, a infância não existia. Os gregos foram os que chegaram mais próximos do conceito de infância na antiguidade, pois eles eram apaixonados pelo tema da educação infantil, e personagens como Platão acreditavam que a virtude pudesse ser ensinada nas escolas. Os romanos, seus sucessores, também chegaram próximos à ideia de infância. Como observou Neil Postman, Quintiliano possuía uma das crenças fundamentais para que a infância possa existir, ou seja, ele acreditava na noção de vergonha, e que algumas informações e comportamentos deviam ser ocultados à criança.

No entanto, depois de haver chegado próximo a criação da infância no mundo Greco-romano, tudo isso desapareceu, segundo Postman, no início da civilização medieval. Essa tese do autor que vou apresentar agora merece algumas críticas. Vou fazê-las no final da resenha.

Postman observa que com o quase desaparecimento das escolas e da alfabetização, a criança no mundo medieval já era considerada adulta aos 7 anos. Segundo o autor, com a escassez dos livros nessa época, o conhecimento era obtido por meio da comunicação oral nas praças, locais esses em que adultos e crianças compartilhavam as mesmas notícias sobre mortes e guerras, assim como as mesmas músicas e contos de fadas.

Em um mundo em que a palavra impressa é rara, crianças e adultos compartilham as mesmas histórias e os mesmos segredos. É de se notar que um fato dessa época que acontecia em alguns casos era que as crianças eram expostas à sexualidade dos adultos, pois a noção de vergonha e pudor ainda não estava plenamente estabelecida na idade média.

Quando, portanto, a ideia de infância apareceu? A resposta , segundo Postman, é que a infância surge quando Gutenberg inventa a prensa móvel, porque é nesse momento em que os livros tornam-se acessíveis à população. A noção de individualidade e o acesso ao conhecimento aparecem com força. Os segredos da natureza, da ciência, da medicina e da teologia podiam a partir daquele momento entrar na residência de todos os que soubessem ler. Ao mesmo tempo, manuais de comportamento e de etiqueta surgem, criando definitivamente a noção de vergonha e pudor na população, especialmente nos jovens.

Mas o mais extraordinário é que o livro oculta dentro de suas páginas os segredos da vida adulta, especialmente o sexo. A partir desse momento, as crianças para terem acesso aos mistérios da vida adulta, precisarão ir para a escola para passarem pelo processo de alfabetização. O menino e a menina de escola então surgem, assim como a crença de que as crianças até os 17 anos devem ser separadas dos adultos, sendo criadas nos ambientes protegidos das escolas.

No século XVII surge uma verdadeira noção de infância. Aparecem nesse momento as roupas infantis e os escritores especializados em histórias para crianças. Um filósofo que ajudou muito a consolidar essa teoria sobre a infância foi John Locke. Como percebeu Neil Postman, Locke, assim como Freud mais tarde, estabeleceu a questão da repressão psíquica, e criou também o conceito de Tábula Rasa( folha em branco), e com isso jogou aos pais uma enorme responsabilidade pela criação dos filhos, fazendo com que os pais passassem a sentir um enorme sentimento de culpa pela sua educação.

Agora Postman explica o porquê do desaparecimento da infância. A sua tese aqui é mais convincente do que sua opinião sobre a história medieval. Ele argumenta que com o aparecimento da televisão, os assuntos mais delicados, que antes eram interditados às crianças, como o sexo e a violência, foram a partir daí lançados aos lares de todas as famílias, sem que elas nada pudessem fazer para oferecer resistência.

Postman vê na televisão e suas reportagens e programas que falam sobre todos os assuntos, uma volta à situação medieval, na qual as crianças eram expostas a todas as conversas dos adultos. Como naquela época, segundo Postman, uma criança de 12 anos que cresceu vendo televisão várias horas por dia já sabe tudo sobre violência, doenças, sexo e alguns outros temas que antes eram vetados às crianças, como a política. No mundo da tipografia, sem que houvesse a televisão, esses assuntos eram mantidos longe das crianças, pois estavam codificados nos livros e proibidos nas conversas das famílias.

Para que uma criança antigamente pudesse ter acesso ao mundo dos adultos, eram necessários vários anos na escola, de forma que os professores e os pais ensinavam sobre política e os segredos do sexo aos poucos, proporcionando à criança a ao jovem acesso aos livros sobre esses assuntos de acordo com a sua idade e progresso na escola.

Postman não fala sobre a internet em seu livro, porque ela ainda não havia sido inventada, mas em uma rápida análise que pode ser feita pelos pais atuais dessa geração da internet, observamos que com apenas alguns cliques e palavras, a criança e o jovem podem obter acesso rápido aos temas do mundo adulto, como o sexo, o adultério, a violência, a corrupção, assim como as aberrações que existem nesse mundo. O resultado disso é que as crianças e os adultos partilham da mesma realidade de sonhos e pesadelos, fazendo nascer a criança que se torna adulta precocemente, assim como o adulto que nunca cresce, tornado-se infantilizado por toda a vida.

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Apesar de algumas das observações de Postman serem verdadeiras, especialmente sobre a importância da invenção de Gutenberg, ele se equivocou sobre alguns pontos da história, e vale a pena alguns esclarecimentos.

Sobre a história antiga e sua relação com a infância, é de se perceber que Platão, Aristóteles e os romanos buscavam a educação de uma elite apenas. Jamais os gregos e os romanos buscaram educar o povo, pois a educação na antiguidade sempre teve um caráter iniciático. O sistema escolar e as universidades surgiram na tão denegrida idade média de Postman, época na qual a informação foi oferecida a todos, e que baniu o ensino de caráter iniciático da antiguidade.

Postman foi influenciado por um certo anticatolicismo, e isso faz com que ele não perceba certas contradições em seu livro. Seu conhecimento de história é superficial, porque é fato conhecido de todos que o infanticídio era amplamente praticado na antiguidade. Postman cita em seu livro que o infanticídio foi proibido no século IV, mas omite que essa lei foi feita por pressão da igreja católica. Foi a idade média que protegeu a infância criando os orfanatos, desconhecidos na antiguidade, da mesma forma como proibiu o aborto e o infanticídio. Gutenberg e os renascentistas são herdeiros da civilização medieval. A antiguidade e também o mundo moderno é que são hostis à ideia da infância, pois no momento em que a vida da criança perde seu caráter sagrado, com a prática do aborto e da morte e abandono dos bebês, é que a infância não pode mesmo existir.

Resenha de A Ditadura Envergonhada, de Elio Gaspari

Ditadura envergonhada

 

Os militares e o golpe de 1964
“Ignorar aquilo que aconteceu antes de você nascer, é permanecer para sempre uma criança” (Marco Túlio Cícero)

Para pessoas como eu, que só viveu um pequeno período da ditadura, esse pensamento de Cícero serve de alerta para que não voltemos a cometer o mesmo erro, e que valorizemos o valor da liberdade e da democracia.

Gaspari fez uma ampla pesquisa no Brasil e nos EUA para publicar um livro que, inicialmente, resumiria-se a história de Geisel e Golbery; no entanto, quando ele se deu conta, o livro já contava histórias de personagens diversos que participaram do golpe de 64 e dos governos militares que se seguiram. Em a ditadura envergonhada, Gaspari relata os últimos momentos do governo João Goulart e os bastidores do exército preparando-se para o golpe. O objetivo do autor é escrever um livro sobre como Geisel e Golbery ajudaram a derrubar Jango, ao mesmo tempo que iniciaram o processo de abertura do governo militar entre os anos de 1974 e 1979. Agora tentarei fazer uma análise dos acontecimentos do primeiro livro da série.

O primeiro capítulo, “o exército dormiu janguista”, narra os últimos acontecimentos do governo João Goulart na presidência. Goulart governava com um frágil equilíbrio de forças e com poder de ação limitado. Gaspari considera-o como uma personalidade fraca. O grande motivo de sua queda foi a reação de alguns setores mais conservadores da sociedade, como o exército e a igreja , às suas propostas de reformas de base. Esse capítulo, porém, exibe uma maior preocupação com os líderes militares e suas ações e reações ao discurso da central do Brasil, assim como as primeiras manobras que viriam resultar na revolução.

O capítulo seguinte ,“ o exército acordou revolucionário” ,é concentrado em algumas figuras como Castello Branco e Costa e Silva, assim como em alguns outros comandantes do exército de algumas regiões do país. Gaspari aproveita o acesso que teve aos arquivos norte americanos para contar a participação do governo Kennedy no golpe militar de 1964. Um personagem que surge com força é o embaixador americano Lincoln Gordon, que deu todo apoio ao golpe e ainda ofereceu ajuda militar, em uma operação conhecida como Brother Sam.

Gaspari dedica dois capítulos para contar a história de como Golbery criou o SNI, inspirado na CIA, e de como Fidel Castro ajudou diversos revolucionários de esquerda, principalmente a Brizola. Uma parte muito boa do livro é aquela em que o autor nos narra os diversos acontecimentos políticos e culturais que estavam acontecendo no Brasil e no mundo nos anos 1960. Tirando o fato de que vivíamos uma ditadura, essa época parece ter sido muito boa para se viver.

O livro também nos faz rir em alguns momentos quando, por exemplo, lemos os ridiculamente reacionários editoriais do jornal O Estado de São Paulo.

A questão da tortura e da espionagem parecem ser uma herança que o governo militar herdou do governo Vargas. Gaspari atribui à direita o início do processo de radicalização da política brasileira no início dos anos 1960. A corrida armamentista produzida pelos revolucionários de esquerda foi consequência da reação da direita.

O livro em alguns momentos é um pouco confuso, faltando a Gaspari a sobriedade e beleza da tradição dos historiadores ingleses aos quais estou acostumado a ler. Em vários momentos o leitor precisa absorver uma enxurrada de nomes e acontecimentos, o que dificulta um pouco a leitura, mas esse período da história do Brasil é muito importante, por isso eu creio que o leitor pode deixar passar essas pequenas falhas do autor.

Para quem pensa em ler um livro que conte como foi o governo João Goulart e um estudo sobre sua personalidade e ideias, esse livro não é recomendado. Trata-se de uma obra que esclarece os bastidores do exército e suas hierarquias, com ótimas passagens que esclarecem a participação americana no golpe, assim como a introdução da tortura e a promulgação do AI-5.

Resenha de Hitler, Volume 2, de Joachim Fest

hitler - joachim fest

Hitler e a Alemanha
Joachim Fest diz que a Alemanha do início do século XX, apesar de seu progresso econômico, convivia com uma atmosfera romântica, onde sobressaíam figuras míticas de deuses antigos. Havia um espírito pessimista romântico e um culto do folclore germanístico. Os sentimentos de hostilidade à civilização foram associados ao nacionalismo, ao darwinismo social e ao racismo. Nietzsche havia declarado que ” a índole dos alemães era hostil à idade das luzes e subsistia uma adoração pelo passado, não dando lugar aos objetivos renovadores futuros. Substituiu-se o culto da razão pelo instinto”.

Fest culpa Richard Wagner por mobilizar a arte para condenar o mundo moderno. O resultado era o pessimismo a respeito do futuro, a angústia relativa à raça, o ideal antimaterialista, o temor diante de uma era de liberdade e igualitarismo, com o pressentimento de um declínio próximo.
Uma característica do fascismo é o culto dos sonhos mortos dos seus antepassados e o gosto pelo folclore. Na Alemanha os resultados foram o culto das danças populares, a festa do solstício de verão e a exaltação das mães de família de prole numerosa. Fest cita Thomas Mann que referiu-se a isso como “uma explosão arcaica”.Ao contrário do que pensavam os reacionários, Hitler não pensava de forma alguma ressuscitar os velhos tempos. O que ele pretendia era um reavivamento do instinto. Será que podemos ver aí uma influência de Nietzsche? O que o fascismo tinha de superior ao comunismo era que ele compartilhava as angústias da civilização e conferia um certo encantamento à vida cotidiana. O fascismo era uma rebelião a favor da ordem. Mussolini falava com desprezo da “deusa liberdade”. Podemos perceber essa mentalidade hoje em dia em que muitos no Brasil desejam sacrificar a liberdade a favor de um governo forte e autoritário, que promova uma suposta “ordem”.

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Hitler colocou no Mein Kampf o seu nacionalismo, seu anticapitalismo, seu culto à tradição, seu desejo de expansão, seu antimarxismo e seu antissemitismo. Hugh Trevor-Roper em uma descrição impressionante fala sobre Hitler:” faz lembrar uma antiga estátua bárbara erguida em meio a detritos de todos os dejetos intelectuais dos séculos passados”.

Hitler compartilhava com a direita católica o pavor da revolução de esquerda latente desde 1789 e soube compartilhar essa angústia com o povo. Sua mentalidade tendia a ter predileção pelas eras glaciais. Seu amigo Kubizek já havia notado a tendência de Hitler de “passar por cima de milênios com a maior calma”.Sua obsessão em combater os judeus era porque se considerava “a outra força” escolhida para salvar o universo ” e repelir o mal para os domínios de Lúcifer”. Ele disse de maneira blasfema: ” defendendo-me contra o judeu, luto pela obra do senhor”. Acreditava que a mistura racial e a contaminação do sangue eram os responsáveis pela decadência dos povos. Podemos ver o ódio de Hitler à União Soviética que ele associava ao judaísmo, e assim entendemos a simpatia despertadas entre tantos do clero católico e do protestante.

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Fest reconhece que houve no nacional socialismo traços propriamente alemães, mas eles são de uma natureza mais distinta e complexa do que se possa imaginar. A consciência alemã não conseguia aliar-se às tendências democráticas. Mas o antissemistismo não era um fenômeno tipicamente alemão. Enquanto Maurras e a direita católica na França invocavam “a glória da deusa França”, Hitler imaginava um império que iria até os Urais e que ele aniquilaria as raças que se opusessem a ele.

A Alemanha sentia pavor de uma revolução e havia um culto da ordem e do estado como um “para-raios” do mal, daí surgirá a fé no Fuhrer. Os alemães sentiam necessidade de proteção. Fest acredita que a falta de cultura política e as ideologias de tendência mitológica de Wagner são a chave para se compreender a chegada de Hitler ao poder.Wagner escreveu:” um político é repugnante”. Thomas Mann tinha ele mesmo um caráter romântico, afastado da realidade e sentia uma nostalgia por uma política apolítica.

Surge então uma das características do nazismo: a ideia de redenção pela arte. Apesar de eu gostar de Schopenhauer, seu caráter apolítico me incomoda. Fest o critica por tentar fazer da música uma solução para as tragédias da vida. Richard Wagner tentou fazer do teatro ” o fim da política e o começo da humanidade”. Para ele a política deve se tornar um grande espetáculo, o estado uma obra de arte e o artista deve tomar lugar do homem de estado. Walter Benjamin chamou o fascismo de “estetização da política”. Para Hitler nada havia fora da arte.

Fest conseguiu nesse livro explicar como o fenômeno do nazismo pôde acontecer na Alemanha. Angústia pela revolução, culto da arte e da mitologia, desprezo pela política e racismo diferenciavam a Alemanha de outros países.

Resenha de Hitler, de Joachim Fest

hitler

A ascensão de Hitler ao poder
Essa é a melhor biografia de Hitler disponível. Joachim Fest mostra como um jovem obscuro, que levava uma vida sem objetivos, conseguiu chegar ao poder.Fest atribui ao caráter apolítico do povo alemão influenciado principalmente por Richard Wagner,a angústia do presente e negação estetizante de realidade, os fatores decisivos para que Hitler pudesse conseguir seus objetivos.Os alemães acreditavam na salvação pela arte e estavam mergulhados em mitologia, desprezando a política.O livro se concentra mais na chegada de Hitler ao poder do que no período da guerra. O autor não explica a origem do ódio de Hitler aos judeus, e isso acaba sendo uma parte que não fica bem esclarecida. Segundo o historiador Friedrich Heer, a origem do ódio de Hitler aos judeus está na cultura austríaca e nas deficiências do catolicismo. Mas Fest não fala sobre isso. Também não concordo com a tentativa de Fest de incriminar Schopenhauer pelo nazismo. A filosofia de Schopenhauer nada tinha em comum com as obsessões de Hitler.O ditador alemão via a si próprio mais como artista e arquiteto do que como político, e o aspecto teatral do regime nazista, com a influência de Wagner, a quem Hitler idolatrava, é bem destacado no livro.O capítulo “a visão” é o melhor do livro. Mostra a visão da história que Hitler tinha e suas imagens apocalípticas de “eras glaciais” e “milhões de anos”.O que fica claro é que Hitler era muito mais revolucionário e moderno do que seus adversários conservadores.

Joachim Fest fez uma afirmação polêmica no início do livro: a de que Hitler teria sido um dos maiores alemães se tivesse morrido em 1938. Na obra de John Lukacs, ” o Hitler da História”, podemos ver por que isso poderia ser verdade: Hitler dimimuiu drasticamente o desemprego, aumentou a taxa de natalidade alemã e fez com que o número de suicídios entre os jovens diminuísse muito.

Fest escreve muito bem e considero esse livro muito superior à biografia de Ian Kershaw.