Um trecho do debate entre Frederick Copleston e A.J.Ayer sobre o Positivismo Lógico

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O debate entre o padre e filósofo jesuíta Frederick Copleston e Bertrand Russell é bastante conhecido. O que poucos sabem, no entanto, é que a rádio BBC também promoveu, em 1949, um debate entre Copleston e A. J. Ayer sobre o Positivismo Lógico. Copleston considerou esse debate muito mais desafiador do que o anterior, contra Russell. Fiz uma tradução parcial do debate a partir do livro “A Modern Introduction to Philosophy” (Editora The Free Press, New York). O debate não possui áudio remanescente.

Explicação Metafísica e Científica

Ayer:

Eu não vejo como você pode saber a priori que o comportamento humano é inexplicável. O máximo que você pode dizer é que nosso atual estoque de hipóteses psicológicas não é adequado para explicar certas características humanas; e você pode estar muito bem certo. Mas o que mais necessitamos é de melhores investigações psicológicas. Nós precisamos formar novas teorias e testá-las através de observações posteriores, o que é novamente o método da ciência. Parece-me que tudo o que você disse quando mencionou os limites da ciência, é que uma ciência dada pode não explicar certas coisas, ou explicá-las de uma forma que você gostaria que fossem explicadas; mas isso, que me parece perfeitamente aceitável, é apenas uma sentença histórica sobre um ponto que a ciência alcançou em algum estágio. Isso não mostra que exista espaço para uma disciplina muito diferente, e você não foi claro para mim sobre qual disciplina diferente, que você reserva ao Filósofo, supostamente deva ser.

Copleston:

Bem, eu penso que uma das possíveis funções do Filósofo é considerar que o que algumas vezes é chamado de não-empírico ou eu-inteligível. Existe uma objeção óbvia, do seu ponto de vista, contra a frase “eu não-empírico;” mas eu gostaria de voltar para a metafísica em geral. Os cientistas podem descrever vários aspectos particulares das coisas, e todas as ciências juntas podem dar, é verdade, uma descrição geral da realidade. Porém o cientista, precisamente como cientista, não levanta, por exemplo, a questão de o porquê as coisas estão colocadas como tal. Levantar essa questão é, em minha opinião, uma das funções do Filósofo. Você pode dizer que essa questão não pode ser respondida. Eu penso que pode, mas, mesmo que não pudesse ser, eu considero que essa é uma das funções do Filósofo, que é a de demonstrar que existe tal problema. Alguns Filósofos diriam que a metafísica consiste em levantar problemas antes de respondê-las definitivamente, porém, apesar de que eu mesmo não concordo com essa absoluta posição agnóstica, eu penso que existe valor em levantar problemas metafísicos, bem distante da questão de se alguém pode ou não respondê-las definitivamente. Isso é o porquê de eu ter dito anteriormente que uma das funções do Filósofo é de abrir a mente para o Transcendente, o tirar o teto da sala- para usar uma metáfora crua. [Read more…]

São Boaventura por Frederick Copleston

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” Seria este mundo, que reflete tão admiravelmente o Divino Criador, o melhor dos mundos possíveis? Nós devemos primeiramente distinguir duas questões: Poderia Deus ter feito um mundo melhor do que esse? Poderia Deus ter feito este mundo melhor do que ele é? Boaventura responde à primeira questão que Deus poderia ter feito um mundo melhor do que este pela criação de essências mais nobres, e que isto não pode ser negado sem limitarmos o poder divino. Quanto à segunda questão, tudo depende sobre o que você entende por “mundo” e “melhor”. Se você se refere às substâncias que produzem este mundo, você estaria perguntando se Deus poderia ter feito essas substâncias melhores no sentido de fazê-las essências ou substâncias mais nobres do que elas são, ou seja, de um tipo maior, ou você estaria perguntando se Deus poderia ter feito essas substâncias acidentalmente melhores, ou seja, fazendo-as permanecerem em sua própria classe? Se você se refere ao anterior, então a resposta é que Deus poderia de fato mudar para melhor as substâncias , mas não seria o mesmo mundo e Deus não estaria fazendo este mundo melhor. Se você se refere ao último, então Deus poderia fazer este mundo melhor. Peguemos um exemplo. Se Deus mudasse um homem para um anjo, esse homem não iria mais ser um homem e Deus não estaria fazendo este homem melhor; mas Deus poderia fazer o homem melhor pelo incremento seu poder intelectual ou de  suas qualidades morais. Novamente, enquanto Deus poderia fazer este homem ou este cavalo um homem melhor ou um cavalo melhor, nós devemos fazer uma outra distinção se formos perguntados se Deus poderia fazer o homem melhor no sentido de colocá-lo em condições melhores. Absolutamente falando Ele poderia; mas se alguém leva em consideração o propósito pelo qual Ele colocou ou permitiu que o homem estivesse nessas condições poderia muito bem ser porque Ele não poderia ter feito o homem melhor. Por exemplo, se Deus fizesse com que todos os homens O servissem bem, Ele estaria fazendo o homem melhor do ponto de vista abstrato; mas se você considerar a proposta pelo qual Deus permitiu ao homem servi-Lo bem ou mal, Ele não estaria fazendo o homem melhor ao praticamente acabar com seu livre-arbítrio. Finalmente, se alguém perguntar por que, se Deus poderia ou pode fazer esse mundo melhor, e Ele não fez ou não fizer, nenhuma resposta pode ser dada para salvar essa situação, por que Ele quis pois somente Ele sabe a razão ( solutio non potest dari nisi haec, quia voluit, et rationem ipse novit).”

Fonte: Copleston, Frederick. A History of  Philosophy, Volume II.

Resenha: A History of Philosophy- Volume II, de Frederick Copleston

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Frederick Copleston escreveu uma série de livros sobre a história da filosofia que são referências para o público de língua inglesa. Infelizmente, seus livros não estão disponíveis em português. Existe a tradução da filosofia na Idade Média de Étienne Gilson, que é uma grande obra, porém eu achei o segundo volume de Copleston que trata da filosofia medieval superior à de Gilson. Como toda a história da filosofia medieval, Copleston também inicia sua história da filosofia no período da patrística. Este foi um período de pouca filosofia e muita teologia, como demonstram todos os livros de filosofia medieval. O período que vai da patrística até o século XIII é todo dominado pelo pensamento neoplatônico. Os medievais não tiveram acesso à nenhuma obra de Platão, com a exceção do Timeu, e de Aristóteles até o século XII. Isso deixou o Ocidente latino em desvantagem em relação ao Islã. Toda a  ciência grega havia sido transportada para o mundo islâmico pelos monges sírios, enquanto o Ocidente tinha que se contentar com o que havia sobrado das invasões bárbaras. Com o aparecimento no século XII das obras de Aristóteles, a Igreja passou a ser confrontada por um sistema filosófico até então desconhecido. No século XIII, vários teólogos tentaram harmonizar a doutrina aristotélica com os ensinamentos do catolicismo. Lendo como foi esse desenvolvimento na obra de Copleston, vemos que isso se deu com grandes dificuldades. Aristóteles foi adotado com muita relutância por quase todos os teólogos da época, sendo que alguns como São Boaventura o criticaram duramente. Foi só com São Tomás de Aquino que Aristóteles foi aceito por completo. Guilherme de Auvergne, São Boaventura e Duns Scotus permitiram que influências platônicas entrassem em seus sistemas. São Tomás foi aquele que mais rejeitou o platonismo, de maneira que ele adotou Aristóteles mesmo quando o ensinamento do filósofo grego provocava óbvias dificuldades, como no caso da eternidade do mundo. É preciso salientar que a filosofia medieval é muitas vezes expressa de maneira confusa pelos teólogos da época. No entanto, quase todos eles tinham uma visão otimista do mundo, reconheciam a criação ex nihilo e afirmavam a liberdade da vontade.

Os capítulos mais importantes do livro são sobre Santo Agostinho, Escoto Erígena, São Tomás de Aquino e Duns Scotus. Santo Agostinho foi profundamente influenciado por Plotino e sua filosofia foi a dominante na igreja católica até o século XIII. A filosofia política de Agostinho e suas reflexões filosóficas sobre o tempo são muito superiores a qualquer coisa que São Tomás já tenha escrito. Escoto Erígena teve a influência neoplatônica do Pseudo-Dionísio e desenvolveu uma filosofia muito diferente da dos outros medievais. Ele enfrentou o problema do mal no mundo e negava a eternidade das penas do inferno. Sua filosofia lembra a de Orígenes. Quanto a São Tomás e Duns Scotus, a interpretação de Copleston sobre a filosofia dos dois teólogos é bem melhor e mais crítica que a de Étienne Gilson. Isso porque toda a tensão da fusão entre teologia cristã e o sistema aristotélico na filosofia tomista recebe um tratamento especial. É possível fazer uma comparação entre o tomismo e São Boaventura e o primeiro e Duns Scotus de forma mais fácil do que no livro de Gilson. Na parte de Duns Scotus, achei que a explicação de Copleston para a complicada questão da individuação foi insuficiente. O conceito da hacceitas de Duns Scotus merecia uma explicação melhor. O melhor do livro foi ver a tensão entre o sistema agostiniano-platônico de São Boaventura e o sistema aristotélico de São Tomás. São Boaventura parte do exemplarismo e sua antítese é  Aristóteles, que  nega a criação e a providência divina. São Boaventura rejeitava com todas as forças a ideia da eternidade do mundo, e afirmava que era filosoficamente possível demonstrar que o mundo não era eterno, o que era o contrário que São Tomás pregava. Copleston também mostra a reação de Duns Scotus ao aristoteleismo extremo de São Tomás na questão da união da alma com o corpo.  Para São Tomás, a alma está tão ligada ao corpo que, quando separada deste, é incapaz de adquirir novos conhecimentos. Duns Scotus afirma que essa doutrina tomista é degradante para a alma e que essa pode continuar aprendendo mesmo após essa separação, já que a alma retém a capacidade de abstração.