Safo de Lesbos: o primeiro beijo

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Marc Gabriel Charles Gleyre, Le Coucher de Sappho

 

O primeiro beijo

Coloquei abaixo a almofada
No sofá que ela,
Relaxada e inerte, estava.
Poderia oferecer seus lábios a mim.

Como uma sacerdotisa apaixonada,
No santuário de Afrodite,
Fascinada eu me inclinei acima dela
Com o senso do Divino.

Ela tinha, por sua natureza núbil,
Em anos ainda uma criança,
Nenhuma sugestão
De qualquer conhecimento secreto,
De nenhum pensamento de paixão.

Sua boca para a imolação
Estava preparada, e minha é a arte.
E um longo beijo de paixão
Deflorou seu coração virgem.

Tradução nossa a partir da versão em inglês do Delphi Complete Works of Sappho

Resenha de Crime e Castigo, de Dostoiévski

crime e castigo

Crime e Castigo é um dos maiores romances da história e tem como uma característica o fato de ser um livro que reproduz a angústia psicológica de um personagem que desde o início já sabemos ser um assassino. O estilo de Dostoiévski é inconfundível, já que ele reproduz os pensamentos e as dúvidas mais íntimas dos personagens. O romance começa narrando a história de Raskólnikov, um estudante que vive de aluguel em um pequeno apartamento, no qual ele tem cada vez mais dificuldade em honrar seu compromisso . Raskólnikov ganha dinheiro fazendo pequenas traduções, no entanto, vive à beira da miséria. Como é um jovem muito neurótico e introspectivo,o estudante ( na verdade ex-estudante) durante seus vários momentos ociosos formula uma tese que pensa ser original: homens como César e Napoleão foram responsáveis por milhares de mortes, entretanto, foram considerados pela história como grandes heróis e conquistadores. Por que Raskólnikov pensa dessa maneira? Porque ele se vê oprimido pela velha- que no livro simboliza o capitalismo  devastador que  Dostoiévski tanto odiava.

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Resenha da Introdução às Artes do Belo, de Etienne Gilson

Introdução as artes do belo

 

A Arte e a Filosofia
O excelente filósofo tomista Étienne Gilson propõe o que é filosofar sobre a arte. O que é uma coisa bela? Uma condição obrigatória é de que o objeto seja inteiro, que não falte nele nenhuma parte, ou seja, que ele seja perfeito. Ele é perfeito na medida em que é em ato e não apenas em potência. Belo para Gilson é aquilo que Santo Agostinho denomina de Claritas( o brilho) que retêm o olhar e aumenta a percepção da beleza.

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Gilson escolhe dois nomes para simbolizar a concepção ocidental de mundo: Platão, o qual Gilson considera que vivemos em uma era de antes e depois da filosofia platônica, e Nietzsche, que iniciou uma revolução contra o universo na qual não há lugar mais para o homem. Nietzsche representa a revolta contra o mundo cristão e platônico, pois Nietzsche quer fazer do homem senão vontade, liberdade e poder. Para Gilson, Nietzsche quer se libertar do ÁNTHROPOS THEORETIKÓS, o homem contemplativo.

Depois de a pintura ter alcançado o auge no fim da idade média e no renascimento, com uma perfeita imitação da natureza, o que restou de tais conquistas, pergunta Gilson. O homem moderno revoltou-se contra essa concepção, e fez-se um Demiurgo, que contrário ao de Platão, não precisa de modelos inteligíveis e racionais para criar a sua arte.

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Gilson discutirá ainda a distância que existe entre a filosofia e a arte. Ele alerta que essa distância é perigosa pois um homem que se engana sobre si mesmo pode muito bem enganar-se sobre Deus.
O cristianismo irá influenciar muito a arte com a sua noção de criação. Para Platão, o Demiurgo não é um o mais importante na sua filosofia, mas a Ideia do bem que nada faz. O primeiro motor de Aristóteles também nada cria.

Durante séculos o cristianismo buscou conciliar a sua visão de criação com a filosofia grega. Só conseguiria isso no século XIII, com Santo Tomás de Aquino e sua filosofia, em que Deus exerce sua atividade criadora a todo momento.

Creio que faltou nessa obra de Gilson um aprofundamento maior sobre essa revolta da arte moderna contra a ideia cristã de criação e sua noção de uma arte que buscasse a transcendência. Faltou também um maior destaque à escolástica e sua estética. Santo Tomás de Aquino foi citado poucas vezes, o que me decepcionou um pouco. Mas Gilson foi um dos maiores divulgadores da filosofia Tomista e por isso vale a pena comprar esse livro.

Resenha de A Metafísica do Belo, de Schopenhauer

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Um verdadeiro curso de estética
A metafísica do belo compreende as aulas que Schopenhauer deu na universidade de Berlim em 1820, na mesma época em que Hegel dava aulas nessa universidade. As aulas ministradas por Schopenhauer ficavam com as salas de aula vazias, por causa disso ele desistiu de seguir carreira universitária desde então.

Schopenhauer parte do idealismo de Platão e Kant, considerados por Schopenhauer os dois maiores filósofos do ocidente. No idealismo de Platão, um cavalo que estivesse diante de nós não possuiria uma existência verdadeira, mas apenas um constante vir-a-ser. Somente a ideia daquele animal, que nunca veio-a-ser ,é o que importa. Portanto, é indiferente se o cavalo que temos diante de nós é esse cavalo ou seu ancestral que viveu séculos atrás. Unicamente a ideia do cavalo é objeto do conhecimento real. Para Kant, esse cavalo é apenas um fenômeno em relação ao nosso conhecimento e nunca a coisa-em-si.
Uma grande diferença entre Schopenhauer e Hegel é que Hegel é o filósofo da história, e Schopenhauer é a-histórico, pois para Schopenhauer a história é somente a forma casual do fenômeno da ideia. A história nada cria de novo e os papéis que os seres humanos exercem são sempre os mesmos. Não haveria assim um objeto final da história.

A satisfação estética para Schopenhauer é o estado do puro conhecimento destituído de vontade, que é o único que pode nos fornecer um exemplo da possibilidade de uma existência que não consiste no querer. É através da supressão do querer que o mundo pode ser redimido. A impressão do sublime pode ser despertada em locais onde a paisagem não fornece à vontade nenhum meio de se manifestar. É nessa ocasião que o sujeito pode contemplar a ideia. O homem nessa ocasião poderá sentir-se angustiado pelo pensamento de que um dia irá desaparecer. Mas Schopenhauer nos diz que essa é uma aparência enganosa, pois o mundo existe apenas na nossa representação. A grandeza do mundo e sua existência repousa na nossa consciência.

É tarefa da filosofia tornar claro que somos uma única e mesma coisa com o mundo: “ todas essas criações em sua totalidade são eu, e fora de mim não existe ser algum” ( Upanixade). Depois de dizer que todas as coisas são belas e demonstrar um otimismo prático, que muito recusam-se a reconhecer em sua filosofia, Schopenhauer reabilita a poesia e demonstra sua importância para a filosofia, criticando a famosa intolerância de Platão nesse assunto.

Schopenhauer discute o valor e a beleza de diversas artes como a arquitetura, no qual ele defende a arquitetura grega e critica a gótica, opinião essa na qual eu discordo pois considero a arquitetura gótica como a mais bela que existe; depois ele analisa a jardinagem, a pintura, que ele vê como a mais bela e correta a arte flamenga, criticando somente essa arte quando alguns pintores reproduzem imagens de comidas e bebidas diversas, pois isso produziria um desejo ou vontade no espectador.

Por fim, existe a música, considerada por Schopenhauer a melhor de todas as artes, pois assim como a filosofia, a música permite a alma penetrar na essência do mundo. Para quem gosta de estética e quer conhecer outras visões sobre a arte, recomendo o curso de estética: o belo na arte ,de Hegel, assim como a introdução às artes do belo, de Etienne Gilson.

Resenha do livro Arte e Beleza na Estética Medieval, de Umberto Eco

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A Beleza da Idade Média
Para começar, eu recomendo que se leia esse livro junto com o Outono da Idade Média, de Huizinga. Eco cita Huizinga que demonstra que os medievais convertiam rapidamente o sentimento do Belo com a pura e simples alegria de viver. O Belo deveria coincidir com o bom e o verdadeiro. Uma das crenças mais fortes da Idade Média era a da beleza e bondade do mundo e de todos os seres. A imagem do universo é cheia de luz. Os medievais baseavam-se no livro do Gênesis e o da Sabedoria.

Eco diz que a metafísica medieval irá refutar o gnosticismo demonstrando que a unidade, verdade e bondade não são valores acidentais, mas são inerentes ao ser em nível metafísico. Disso resultará que toda a coisa que existe é verdadeira e boa.

A escola de Chartres dirá que a natureza e não o número é que rege este mundo. Alain de Lille cantará:

Ó filha de Deus e mãe das coisas,
que manténs unidos e tornas estável o mundo,
gema para os homens, espelho para os mortais,
luz do mundo.
Paz, amor, virtude, governo, poder,
ordem, lei, fim, caminho, guia, origem,
vida, luz, esplendor, forma, figura,
regra do mundo.

O livro destaca uma das características mais notáveis da arte medieval: o gosto pela luz. Isso fará nascer a catedral gótica e seus magníficos vitrais e irá gerar uma das mais espetaculares invenções medievais: os óculos. Dirá Suger sobre a sua obra: ” e o que uma luz nova inunda, brilha como nobre obra”.

As grandes maravilhas da idade média, como suas catedrais românicas e góticas, suas cidades e pequenas vilas, sua arte e sua escultura, nos maravilham até hoje. A idade média produziu uma beleza e uma estética que eu considero a mais bela de todos os tempos. Tudo nos fala de fé, esperança, amor a Deus e combate ao mal, nos lembrando sempre que quem não combater irá se perder. A poesia medieval nos deixa o Lauda Sion, o Stabat Mater e o Dies Irae, e sua arquitetura criará cidades como York e Carcassone.

O alegorismo artístico de Van Eyck, os vitrais e das esculturas como o belo Deus de Amiens podem ser representadas novamente pela poesia de Alain de Lille:

Toda a criatura do mundo,
como se fosse livro ou pintura,
é para nós como um espelho.
Da nossa vida, da nossa morte,
da nossa condição, da nossa sorte,
fiel signo.

Essa beleza da idade média que nos atrai atá hoje é devido à sua proporção, como nos diz São Tomás: ” o belo consiste na devida proporção, pois nosso sentidos deleitam-se nas coisas bem proporcionadas”. O sentido como qualquer outra faculdade cognoscitiva é uma espécie de proporção. Três coisas são requeridas para serem consideradas belas segundo São Tomás: integridade, harmonia e clareza ou esplendor.

Lenin na Usina Putilov

 

 

Essa é uma pintura de Isaak Brodsky, um dos representantes do realismo socialista. A cena se passa na usina de Putilov em 1917, quando Lenin fez ali um discurso para os trabalhadores em greve. A pintura reproduz bem a sujeira das chaminés e também o poder de atração dos discursos de Lenin. Esse foi um dos grandes acontecimentos da revolução de 1917.

A Anunciação, de Van Eyck (1434)

Um dos quadros mais belos de Van Eyck, a Anunciação tem todos aqueles detalhes realistas que Michelangelo tanto iria criticar na arte flamenga ( Ver Huizinga). A riqueza da roupa do anjo Gabriel é espantosa, assim como o detalhe das cenas bíblicas pintadas no chão. As figuras são desproporcionais ao tamanho da igreja, e a cena transmite muita fé, como o mundo do fim da Idade Média ainda exibia.

A arquitetura da igreja é Gótica. A cena exibe muita exuberância nas roupas do Anjo Gabriel e da Virgem Maria. Em frente à Virgem está um Missal. Essa reprodução dos personagens sagrados lendo um Evangelho ou um missal era algo que Van Eyck costumava fazer em suas pinturas.

São Tomás de Aquino diz que os alguns anjos são enviados a serviço e que isso procede do governo divino, já que o anjo está agindo em nome de Deus. O anjo quando age, não faz como o ser humano que perde sua capacidade contemplativa ao se ocupar de coisas exteriores, mas regula suas ações exteriores pela operação intelectual, segundo São Tomás. Ele ainda cita São Gregório, que dizia que “os anjos não saem para fora de modo a se privarem das alegrias da contemplação interior”.

Os anjos nos servem, segundo São Tomás, não porque sejamos superiores a eles, mas porque todo aquele que adere a Deus, torna-se um só espírito com Ele, por isso é superior a toda criatura.

Psyché, de Bouguereau

 

A alma, o objeto de estudo da psicologia foi muito bem reproduzida nessa pintura de Bouguereau, no qual uma mulher jovem e muito bonita está olhando para o alto, e com as mãos no peito, simbolizando recato. A beleza da alma humana é representada nessa pintura.

São Tomás de Aquino reproduz o pensamento de Santo Agostinho que dizia que a alma contém a mente, o conhecimento e o amor, que estão nela essencialmente.  Santo Agostinho acrescenta que a memória, a inteligência e a vontade são uma só vida, um só espírito e uma só essência.São Tomás nega que a essência da alma seja sua potência, porque a potência e o ato dividem o ente e qualquer gênero de ente, sendo preciso que um e outro se refiram ao mesmo gênero, de forma que se o ato não pertence ao gênero substância, a potência não pode pertencer a esse gênero. A operação da alma não se encontra no gênero substância, pois somente em Deus sua operação é sua substância, de forma que a potência divina é a essência mesma de Deus.

Que a essência da alma não seja sua potência também pode ser visto na alma, pois esta é ato. A alma enquanto forma não é um ato ordenado para um ato superior, mas é o termo último da geração. Se ela está em potência para outro ato, isso não lhe cabe por sua essência, enquanto é uma forma, mas por sua potência. A alma enquanto sujeito de sua potência é o ato primeiro, ordenada para  um ato segundo. Aquilo que tem a alma não está sempre em ato nas operações vitais. A definição da alma ( Psyché) diz que ela é um ato de um corpo tendo a vida em potência. A potência, portanto, não exclui a alma. A essência da alma não é a sua potência. Nada está em potência com relação a um ato.