Resenha de Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt

Origens do Totalitarismo

“If you have lost possession of a world,

Be not distressed, for it is nought;

And have you gained possession of a world,

Be not o’erjoyed, for it is nought.

Our pains, our gains all pass away;

Get beyond the world, for it is nought.”

Anwari Soheili

Adoro os livros de Hannah Arendt pelo seu jeito de escrever, suas análises filosóficas e a profundidade de seu pensamento. Origens do Totalitarismo é uma de suas obras mais conhecidas. Como eu já li sua obra Eichmann em Jerusalém, percebi que Arendt domina como poucos o tema do antissemitismo. É justamente por essa questão que ela começa o livro. Não esperem que ela vá descrever toda a história da perseguição aos judeus desde a Antiguidade, pois ela não faz isso. O antissemitismo religioso que vigorou até o começo do século XIX foi substituído a partir da segunda metade daquele século por um antissemitismo político. Arendt se concentra em alguns países como a França, a Inglaterra, a Alemanha e a Áustria para demonstrar a evolução do sentimento antijudaico.

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Resenha de O Passado de uma Ilusão, de François Furet

O passado de uma ilusão

O comunismo foi ( e ainda é) um sistema, ou filosofia, que atraiu a adesão de milhões de pessoas no século passado. Vários intelectuais do ocidente, inclusive pessoas religiosas, se sentiram identificadas com a Revolução de Outubro de 1917. François Furet busca nesse livro uma reflexão sobre o passado do comunismo, de forma a demonstrar às semelhanças ou diferenças entre a revolução de Lenin e a Revolução Francesa de 1789.

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Resenha de O Século Soviético, de Moshe Lewin

Seculo Sovietico

 

A União Soviética foi a maior experiência revolucionária da história, e sua existência marcou o século XX nas áreas política, econômica, tecnológica e militar. Moshe Lewin defende a ideia de que a revolução foi positiva, apesar dos crimes de Stalin em seu Grande Terror e no processo de industrialização durante a década de 1930. Uma tese polêmica do autor é que ele diz que Lenin em seus últimos dias lutou para evitar que o poder caísse nas mãos de Stalin, e que sua última vontade era de criar um regime que fosse lentamente caminhando para uma democracia.

Se analisarmos a mentalidade de Lenin, veremos que essa tese de Lewin é falsa. A mentalidade do comunismo só funciona com a existência de um líder que concentre em suas mãos todo o poder. Lenin nunca admitiu concorrência, e viu em Stalin um homem de ação, que ele preferiu ter como homem de confiança muito mais do que o teórico Trotsky. Lewin tenta inocentar Lenin dos futuros crimes de Stalin, mas não convence.

O autor não escreve muito sobre o período stalinista, preferindo se concentrar em Khrushchov e seus sucessores. Ele louva às conquistas do mundo soviético como a educação em massa, uma legião de leitores entre a população e a existência de uma ordem pública.

Lewin também demonstra que a experiência da liberação do aborto na década de 1920 resultou em um grave problema de natalidade e de invalidez entre às mulheres. Stalin dificultou o aborto na década de 1930. Outra distorção foi o fato da busca forçada de igualdade entre homens e mulheres, em que essas últimas foram obrigadas a realizar trabalhos pesados na indústria, o que prejudicou sua saúde física e mental.

Lewin é contraditório em elogiar aos feitos do comunismo, ao mesmo tempo que tenta dissociá-los do regime de Stalin. Ora, se a União Soviética foi o que foi, isso se deve em sua maior parte à personalidade se Stalin, ou Lewin acha que a indústria pesada, e o complexo militar e espacial soviético surgiram graças a quem?

Se o bolchevismo foi vitorioso, diz Lewin, isso se deve ao fato de que o exército Branco na guerra civil russa tinha como objetivo ressuscitar o feudalismo-escravocrata do czarismo, assim como o velho antissemitismo russo. O exército Branco perdeu porque não tinha nada a oferecer à população.

No final do livro, Lewin lamenta a situação atual da Rússia, que está dominada por gângsters, mafiosos e drogados. Todo o sistema soviético de proteção social desapareceu, e nada foi oferecido que fosse superior ao que existia.

Agora, uma reflexão sobre as inegáveis conquistas do regime soviético: Tudo isso fez valer o sacrifício de milhões nos Gulags, no Grande Terror, na perseguição aos religiosos, e sobretudo em uma tentativa que se revelou trágica de criar um homem novo e uma sociedade nova? A resposta é não. O livro de Lewin é uma boa reflexão sobre esse período, especialmente se você gosta de ler sobre a revolução russa e a história do comunismo.

Resenha de Lenin- A Biografia Definitiva, de Robert Service

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A vida do Revolucionário
Vladimir Ulyanov nasceu e cresceu sob uma família burguesa e estável, e recebeu excelente educação. A morte prematura do pai não o abalou, no entanto a execução de seu irmão parece ter tido algum impacto, apesar de não ter sido decisiva para transformá-lo em um revolucionário.

Lenin desde cedo concluíra que o socialismo na Rússia precisava se basear em outra classe social que não a camponesa. A noção de que Lenin devia suas idéias à proximidade com os camponeses de Samara é falsa, pois nessa época ele só se preocupava com os estudos.

Lenin havia decidido que a classe operária teria a primazia na formação da sociedade socialista e acreditava que o futuro da Rússia estava na indústria, na urbanização e na organização social em larga escala.

Service diz que Lenin era excessivamente paparicado por sua irmã e sua mãe, e isso lhe teria dado a consciência de que era um líder natural.

Marx acreditava que a Rússia poderia passar do feudalismo para o socialismo sem passar pela transformação capitalista. Lenin exagerava o quanto o capitalismo estava avançado na Rússia e recomendava que suas idéias fossem adotadas também no ocidente.

Lenin sentia orgulho de seu passado judeu e sempre combateu o antissemitismo. Durante seu exílio em Munique escreveu a sua obra mais famosa “Que Fazer”, inspirada no livro de mesmo nome de Chernyshevski. Nesse livro utilizou pela primeira vez o nome de Lenin, inspirado por Lena, um rio siberiano. No livro ele discute a questão organizacional e a prioridade por disciplina e unidade.

Ele adorava congressos, tinha um enorme poder de convencimento e rejeitava todo o sentimento na política.

Quando aconteceu a revolução de 1905, Lenin se animou. Falava em insurreição armada e expropriação da terra dos fidalgos. Nessa época foram criados os Soviets, e Lenin foi obrigado a voltar para São Petersburgo, onde disputava com Trotski a liderança em discursos. Durante os acontecimentos, Lenin entrou em conflito com os mencheviques, porque estes defendiam uma revolução democrático-burguesa que deveria ser liderada pela classe média, enquanto Lenin defendia uma ditadura do proletariado e repúdio pela classe média.

O início da guerra em 1914 surpreendeu Lenin, mas ele, assim como os bolcheviques, mantiveram uma posição contrária à guerra, que Lenin classificou como burguesa e imperialista.Ele sustentava que a guerra imperialista deveria se tornar a “guerra civil européia”.

Lenin acreditava na ciência e no progresso. Estudou Aristóteles, conhecia muitas obras de Hegel e achava que era o único que havia compreendido a Karl Marx.

A descrição de Robert Service da chegada de Lenin à estação Finlândia na capital São Petersburgo me fez lembrar a maravilhosa cena do genial filme Outubro, de Sergei Eisenstein.

Os capítulos sobre o Tratado de Brest-Litovsk e a luta de Lenin para assiná-lo e sobre a Nova Política Econômica são ótimos, mas a narrativa sobre a guerra civil é inferior à de “A Tragédia de um Povo” de Orlando Figes, que é muito mais completa e tem maior força.

Uma coisa me impressionou depois de ler as biografias de Lenin, Stalin e Marx. Há uma profunda diferença entre a moralidade familiar desses revolucionários e a moral que alguns militantes de esquerda pregam.

Por exemplo: Marx e Lenin eram burgueses que se mantiveram casados com suas esposas apesar de tudo. Stalin era um tanto pudico, e os três jamais pregaram o aborto, o amor livre e o controle da natalidade. Lenin era contrário a relações sexuais casuais; Marx odiava a Malthus; Stalin dificultou o aborto na União soviética nos anos 30 depois que percebeu os resultados catastróficos da liberação do aborto nos anos 20( Ver Moshe Lewin, O Século Soviético). Marx considerava o amor livre como bestial. Todos eles adoravam crianças( Lenin era frustrado por não ter filhos). Marx e Stalin jamais pregaram às suas filhas uma moral sexual liberal. Os três eram extremamente apegados às suas famílias e filhos.

Gostaria de saber o porquê dessa diferença entre a moral dos grandes revolucionários e o militante de esquerda comum. É curioso notar como os grandes líderes de esquerda de ontem de de hoje são muito apegados à família, não evitam filhos e seus negócios são sempre dinásticos, ou seja, são herdados pelos seus filhos e netos, enquanto o militante de esquerda comum prega o aborto e o amor livre-claro, sempre para a família dos outros, nunca para a própria. É algo para se refletir.

Tudo isso pode ser lido nas biografias de Marx( Francis Wheen) e Stalin( Simon Montefiore).

Resenha de O Jovem Stálin, de Simon Sebag Montefiore

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A vida do jovem Stálin é muito interessante
Jovem Stálin é um livro surpreendente e muito bem escrito. Começa com a história dos pais de Stalin e abre a possibilidade de que ele possa ter tido um outro pai. Graças à sua mãe-que era uma personalidade notável-, e contra a vontade de seu pai, Stalin conseguiu entrar para o seminário e receber uma ótima educação. Conta como ele perdeu a fé e o seu talento para a poesia- na verdade seus poemas eram muito bons, especialmente o poema para Rafael Eristavi.

Stalin foi um homem muito inteligente e talentoso, ainda mais quando comparado a Hitler, que não teve educação e era um artista fracassado.

A carreira como terrorista começou cedo, depois de trabalhar como meteorologista e em uma refinaria, onde provocou um incêndio criminoso.

Há o relato do encontro com Lenin, e mostra a importância que os roubos e ataques piratas que Stalin promovia eram importantes para financiar a revolução de Lenin. O caráter vingativo e traiçoeiro de Stalin são muito bem descritos.

Ainda existem os relatos das inúmeras escapadas de Stalin do exílio e de seus casos amorosos, que são muito interessantes, assim como a discussão se ele foi um agente czarista, o que o autor acaba negando.

O capítulo que narra o exílio de Stalin no ártico é um dos melhores do livro. Ficamos surpresos quando lemos como ele se adaptou bem às condições locais.

A parte final fala sobre a revolução de Outubro, e podemos ver a participação decisiva de Stalin, principalmente quando ele salva a vida de Lenin. O livro nos mostra como Stalin esteve com Lenin e os bolcheviques desde o princípio, ao contrário de Trotsky,que só se juntou a eles no final, e a quem Stalin odiou desde o início.

Montefiore deixa bem claro que Stalin estava muito longe de ser uma “mancha cinzenta” e como sua imensa capacidade de liderança estava presente desde o início de sua vida como revolucionário. Lendo esse livro ninguém mais irá perguntar como e por que Stalin chegou ao poder.

Sem dúvida, uma das melhores biografias que já li. Muito detalhada e o tema da revolução russa é um dos que mais me interessam.

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A excelente biografia de Montefiore sobre a vida do joven Stálin foi uma revelação ao ocidente do início da carreira de um dos maiores ditadores do século XX. Stalin nasceu em uma famíla pobre; seus pais tinham uma relação conturbada pelo alcoolismo de seu pai, que queria que seu filho fosse sapateiro igual a ele, e não queria que fosse para a escola. Sua mãe, ao contrário, tinha uma personalidade estável, e fez de tudo para que seu filho estudasse em uma escola para padres. Como ela fez seu filho entrar para um seminário é contado no livro, e a explicação possível para isso é que Stalin fosse provavelmente filho de um padre local. Mas isso não pôde ser confirmado.

Stalin era um excelente aluno, e tinha uma voz muito bonita para o canto da igreja. Montefiore narra como o joven Stalin perdeu sua fé cristã e passou a se ocupar lendo literatura marxista. O ambiente do seminário era promíscuo e opressivo, e isso também contribuiu para que esse seminário gerasse toda uma geração de revolucionários ateus.

Stalin também era um poeta talentoso, e alguns de seus poemas são reproduzidos no livro. Ele poderia ter seguido a carreira de poeta se quisesse, pois levava jeito para a poesia. Stalin, nesse momento, porém, lutava contra um padre que o perseguia no seminário em busca de literatura “subversiva” que o jovem seminarista lia clandestinamente. Por causa de ter sido pego com esses livros, Stalin acabou expulso do seminário.

Depois desses acontecimentos, Stalin precisou conseguir um emprego para sobreviver. Teve um emprego inusitado: meteorologista. Esse emprego, no entanto durou pouco, e Stalin caiu na clandestinidade. Seu mundo era viver nas sombras, sem que ninguém soubesse de sua identidade.

Conseguiu um emprego em uma refinaria dos Rothschild, e lá, em pouco tempo, conseguiu provocar um incêndio criminoso para que esses famosos capitalistas do petróleo aceitassem às demandas dos trabalhadores.

As prisões

Stalin foi preso diversas vezes ao longo de sua juventude, mas conseguiu escapar na maioria das vezes com a ajuda de cúmplices dentro do sistema corrupto do czarismo. As prisões nessa época, ao contrário do tempo do comunismo, eram muitos frouxas em seu sistema de vigilância.

O encontro com Lenin

Em 1905, Stalin finalmente conseguiu encontrar-se com seu ídolo e chefe Vladimir Lenin na Finlândia. Stalin vinha há muito tempo se destacando como o principal responsável por conseguir fundos( dinheiro) para o partido. Vivia como um bandoleiro na Geórgia praticando o terrorismo e assaltos que conseguiram juntar uma quantidade impressionante de capital para o partido de Lenin.

Seria Stalin um agente czarista?

Montefiore escreve um capítulo sobre a possível ligação de Stalin com a Okhrana-a polícia secreta czarista. Esse capítulo é importante porque mais tarde historiadores da direita acusaram Stalin de promover o grande terror para encobrir o seu passado como agente do czar. O autor, porém, não conseguiu estabelecer essa ligação.

A prisão e o exílio siberiano

Stalin foi traído por um agente do czar infiltrado no partido bolchevique em um baile no qual tentou escapar usando roupas femininas. Não deu certo. Foi enviado para Turukhansk, no meio de uma região completamente desolada da Sibéria. Esse é o ponto mais interessante do livro. Stalin adaptou-se muito bem ao clima inóspito da Sibéria, e logo aprendeu a se virar para conseguir comida e sexo. Virou um caçador e tornou-se amante de uma mulher( na verdade uma adolescente) local. Dessa vez não conseguiu fugir e teve que cumprir a pena até o final em 1917, às portas da revolução.

A participação de Stalin na revolução de outubro.

Em março de 1917, Lenin voltou para São Petersburgo e para a Rússia após anos longe de casa. Essa cena da chegada de Lenin na estação ferroviária foi imortalizada na cena do filme Outubro, de Eisenstein. Lenin aproveitou o momento em que o czarismo estava agonizante após a humilhação e o esgotamento moral e financeiro provocados pela primeira guerra. Agora Lenin e Stalin poderiam trabalhar juntos. Lenin com seu carisma e liderança burgueses, e Stalin com seu profundo conhecimento da Rússia.

Nesse momento, Trotsky aproveitou para entrar para o partido bolchevique, e tornou-se a estrela do partido ao lado de Lenin. Mas isso era momentâneo. Stalin tinha uma rede de apoio na Rússia e na Geórgia que Trotsky não podia imaginar. Montefiore narra muito bem os acontecimentos da revolução, e como Stalin saiu das sombras para transformar-se no principal aliado de Lenin no poder. Fica muito claro a participação decisiva de Stalin para que Lenin pudesse sobreviver em momentos difíceis e como sua atuação nos bastidores revelavam sua personalidade e habilidade política.

A personalidade de Stalin

Graças à sua mãe, Stalin conseguiu ter uma ótima educação clássica, e desde cedo possuía um caráter de líder e uma autoconfiança que impressionava. Líder terrorista e eficaz para realizar assaltos que financiaram Lenin por muitos anos, Stalin só teve um único emprego durante sua juventude até a revolução. Sua atuação era nos bastidores e no mundo da ação, possibilitando a ele conseguir obter um profundo conhecimento da Rússia e da Geórgia, enquanto Lenin e Trostsky viviam sentados atrás de escrivaninhas longe da Rússia.

Sua personalidade e modo de agir lembram as recomendações de Maquiavel, entre elas de nunca possibilitar aos outros acumular poder acima do seu. Maquiavel diz que quem cria poder para os outros causa a própria ruína. Foi isso que Stalin fez, não em relação a Lenin, mas contra Trotsky. Stalin possuía um caráter forte, maquiavélico, cruel e ambíguo, o que leva em alguns momentos o leitor se identificar e até gostar dele, como o próprio Montefiore parece gostar, às vezes.

Não podemos nos esquecer que apesar de Stalin ter sido um vencedor, pois foi ele quem derrotou os nazistas e Hitler, foi esse mesmo Stalin o responsável por uma matança impressionante de seu próprio povo e da população da Ucrânia. Stalin não era um seguidor de Maquiavel em um ponto: a de que a crueldade deveria ser feita de uma vez só, sem perseverar nela durante muito tempo. Essa era uma lição que Stalin não aprendeu.

Resenha de A Infelicidade do Século, de Alain Besençon

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As semelhanças entre o nazismo e o comunismo
Essas duas ideologias que tiveram milhões de adeptos no século XX, e que causaram tantas mortes e sofrimento em nome de suas causas, são analisadas por Besançon nesse livro. O nazismo mereceu maior execração pública do que o comunismo porque suas principais vítimas, os judeus, conseguiram documentar quase todas as mortes de seu povo, e até hoje mantém viva a sua memória. No caso do comunismo, com exceção do Camboja, os cadáveres produzidos por Lenin e Stalin na Rússia, assim como na China de Mao, não possuem identidade ou alguma imagem e, como diz Besançon, falta a evidência do corpo. As vítimas do bolchevismo e do grande salto chinês são anônimas; falta um memorial que possa fazer com que nos lembremos delas.

Nazismo e comunismo possuíam métodos parecidos como a expropriação dos bens, a deportação e a prisão em campos de concentração dos acusados. Mas o comunismo possuía dois métodos a mais: o julgamento em que o acusado ouvia todas as acusações de que era supostamente culpado, sem a menor chance de defesa, e a fome, outra marca dos regimes comunistas, pois onde o comunismo reina, a fome se estabelece. Besançon também analisa além da destruição física, a destruição moral. O comunismo considera-se herdeiro de uma tradição que vinha de Heráclito e Demócrito, passando por Hegel, e não podemos nos esquecer, de Darwin, pois Marx e Lenin eram admiradores confessos do naturalista inglês.

Já o nazismo buscava referências na tragédia grega, no paganismo germânico, em um Nietzsche adulterado, e também em Darwin. O nazismo teve a adesão ilustre de Heidegger, e o comunismo de Lukács e Brecht, mas isso á algo secundário ao estudo. Tanto o nazismo quanto o comunismo são gnósticos, e caem em um dualismo e na luta cósmica entre o bem e o mal. Na gnose, assim como no nazismo e no comunismo, o mal é algo substancial: no nazismo, os judeus; no comunismo, o kulak e os capitalistas. Ambas as ideologias usavam de uma linguagem similar para descreverem seus inimigos. Eles eram ratos, baratas, aranhas, bactérias, etc. O inimigo era sempre considerado um bicho, em um amplo processo de desumanização.

Uma diferença entre o nazismo e o comunismo é que na Alemanha nazista as fronteiras permaneceram abertas, enquanto uma das primeiras medidas adotadas pelos regimes comunistas é controlar a informação e fechar as fronteiras, para que o cidadão não se contamine com notícias vindas do exterior capitalista e hostil. Besançon demonstra como o comunismo altera a moral quando ainda hoje vemos que ,apesar do Gulag e do grande terror, muitos ainda consideram ser possível ser comunista com a consciência tranquila, sendo que no caso nazista, não é mais possível adotar essa posição depois de Auschwitz .

Nazismo e comunismo adotam a tática do salame para destruir seus inimigos: no nazismo, primeiro vem a destruição dos judeus, depois dos ciganos e ,por fim, os mestiços; no comunismo vemos a aniquilação da extrema-direita, depois a direita e, no final, da própria esquerda e dos membros do partido. Um capítulo muito bom é dedicado à teologia. Vemos como o nazismo fez ressurgir a heresia de Marcião. O nazista sentia ódio pelo fato dos judeus serem o povo escolhido, pois eles, os nazistas, acreditavam que o povo alemão é que seria o povo escolhido, e ainda acreditavam como Hitler que o Deus do antigo era diferente do Deus do Novo testamento.

A parte final é dedicada à memória dos judeus e dos cristãos a respeito do nazismo. Aí entra um ponto no qual Besançon defende a opinião do papa Pio XII sobre o comunismo, opinião essa a qual eu não concordo. A questão é sobre o silêncio de Pio XII na guerra sobre o extermínio dos judeus. O papa não falava sobre isso supostamente para não enfurecer Hitler e,com isso, acelerar o processo de destruição dos judeus. Pio XII acreditava, e Besançon o defende, que o comunismo era mais perigoso a longo prazo do que o nazismo. Isso não é verdade, e foi essa opinião que levou, creio eu, a igreja católica a errar e vacilar durante a segunda guerra. O nazismo era muito mais perigoso do que o comunismo, mas Pio XII sentia um ódio por essa ideologia que o fez ser no mínimo ambíguo durante a guerra.

A História da Revolução Russa

 

 

 

Orlando Figes A tragédia de um povoTerra vasta, parcialmente habitada e com climas extremos e selvagens, a Rússia só pelo seu tamanho já teria sua importância garantida no cenário internacional. Mas não é somente isso: a Rússia tem uma história rica, repleta de invasões, tiranos e derramamento inútil de sangue. Uma parte dessa história é contada por Orlando Figes, em a Tragédia de um Povo.

Os livros sobre a história russa costumam se concentrar na revolução de 1917, pouco oferecendo ao leitor uma visão sobre a história do século XIX e início do século XX desse país. Figes vai aos primórdios do movimento revolucionário, e descreve muito bem as condições em que viviam os camponeses russos daquela época.

A Rússia foi um país que não viveu as transformações do renascimento e do iluminismo. A população camponesa ainda vivia na servidão, e o país não possuía uma filosofia desenvolvida o suficiente para colocar freios nos conspiradores e radicais. O analfabetismo era disseminado por todo o país, e a igreja ortodoxa não educava o povo, mas se preocupava muito em sustentar o poder dos czares corruptos. O cesaropapismo sempre foi a doutrina oficial da igreja oriental.

O imperialismo dos czares resultou em uma enorme quantidade de nações submetidas ao poder russo. Finlãndia, Polônia e Geórgia eram apenas alguns dos países que eram dependentes do governo autocrata russo. Os movimentos nacionalistas nesses países forneceriam alguns dos revolucionários mais perigosos do bolchevismo, mas o czar era surdo e cego em relação a essas nações.

O livro começa demonstrando que o que caracterizava o regime czarista era a ausência de controle. A ignorância e a superstição do camponês eram estimulados pela Igreja Ortodoxa, e o culto do czar era propagado pela direita, que teve dificuldade em perceber o surgimento de sentimentos nacionalistas. Apenas os socialistas abraçaram as idéias de autonomia e independência. A origem da agitação revolucionária estava nos movimentos de libertação nacionais.

O camponês russo era bárbaro, como fica claro no livro, e o burguês russo era ávido por filosofias que viessem do ocidente. Toda a novidade era rapidamente absorvida e consumida. A Rússia sabia do seu próprio atraso, e buscava tornar-se mais ocidental de uma maneira um tanto confusa. Figes descreve os costumes selvagens dos camponeses como denunciado por Tchekhov e Máximo Gorki, em contraste com a visão romântica de Tolstoi e Dostoievski.

Quando Marx chegou à Rússia, não havia uma teologia e ontologia que pudessem lhe fazer frente. A igreja ortodoxa sempre tinha se preocupado muito com o poder, mas havia sempre desconfiado da filosofia e teologia da igreja latina. A igreja católica preocupava-se muito com a razão e a filosofia, dizia a igreja ortodoxa. O resultado é que a burguesia e o povo não tinham em que se apoiar para sustentar uma luta contra o socialismo.

A revolução foi possível graças a uma combinação de desastres naturais( fome), um campesinato ignorante e abandonado pelo czar e uma burguesia que acolheu Marx com mais fanatismo e dogmatismo do que nenhuma outra nação.Podemos conhecer a história da fome de 1891, da revolução de 1905 e as revoluções de fevereiro e outubro de 1917

Enfraquecido primeiramente pela revolução de 1905 e pela guerra contra o Japão, o czar não soube aproveitar as lições desses acontecimentos para reforçar a democracia. A Rússia continuou sendo governada por grupos de interesse. Enquanto isso acontecia, Lenin, Trotsky e Stalin iam crescendo em suas retóricas e atitudes revolucionárias. O czar não sabia lidar com os camponeses, com os operários das fábricas e com os movimentos nacionalistas das nações satélites do governo czarista. No final do século XIX havia uma crescente desigualdade no campo, o que provocou uma migração em massa para as cidades. Essa mão de obra barata ajudou a tardia revolução industrial russa.O governo czarista ignorou a classe dos trabalhadores das fábricas, e isso seria decisivo para a queda do regime.

A revolução foi inevitável? sim, porque os soldados do exército branco nada tinham a oferecer em troca. Somente representavam o feudalismo e o antissemitismo do tempo do czar. Entre os brancos, muitos referiam-se aos revolucionários como agentes do judaísmo. A vitória vermelha foi justa.

A parte do livro que conta como foi o governo de Lenin não é tão boa quanto o livro de Robert Service, de mesmo nome. Há o relato dramático das negociações do tratado de Brest-Litovsk, que por pouco não destruiu a revolução.A parte que narra a guerra civil é muito detalhada.O exército reacionário dos brancos nada tinha a oferecer a não ser uma nostalgia pela velha monarquia, o ódio antissemita e a volta do feudalismo. O exército vermelho ainda teve que lutar contra a intervenção das potências estrangeiras e sua cruzada anticomunista, que tinha em Churchill ( sempre ele!) o seu maior entusiasta.

A importância que os comunistas davam à educação é enfatizada, assim como a revolução que Lenin levou ao campo através da NEP, como a introdução da eletricidade e de novas técnicas agrícolas. Figes não atribui tão claramente assim a fome de 1921 a Lenin e aos comunistas, ao meu ver isso é justo. Houve a intervenção estrangeira e uma guerra de sabotagem contra o governo central.

No geral, achei o livro equilibrado.É dado muito destaque à história do camponês reformista Sergei Semenov e a do escritor Máximo Gorki, que acabou se decepcionando um pouco com a revolução. Para uma narrativa mais simpática da vida de Lenin, recomendo a biografia de Robert Service. O autor também se mostra equivocado em relação a Stalin. Ele tinha muito mais educação do que Orlando Figes imagina.

 

Lenin na Usina Putilov

 

 

Essa é uma pintura de Isaak Brodsky, um dos representantes do realismo socialista. A cena se passa na usina de Putilov em 1917, quando Lenin fez ali um discurso para os trabalhadores em greve. A pintura reproduz bem a sujeira das chaminés e também o poder de atração dos discursos de Lenin. Esse foi um dos grandes acontecimentos da revolução de 1917.