Resenha: Édipo Rei, de Sófocles

Oedipus_and_the_Sphinx

Édipo Rei é a peça que simboliza toda a beleza e a força do teatro grego da Antiguidade. Diversas interpretações dessa tragédia foram feitas, uma delas virou um dos símbolos da psicanálise, como o famoso Complexo de Édipo. Aristóteles em sua Poética considerou o personagem principal como uma representação do meio de produzir terror e compaixão. Édipo Rei pode ser analisado segundo as ideias de Aristóteles na Poética.

MYTHOS (mito): A tragédia é uma imitação, não de homens, mas da vida e dos fatos, segundo Aristóteles. Sem ação não há tragédia, sendo que os atos e a fábula são suas finalidades. Reproduzir a queda de um grande personagem é o que faz de uma peça uma tragédia. Essa deve ser complexa, e não simples.

ANAGNORISIS( Reconhecimento): É quando o personagem principal passa da ignorância ao conhecimento. Na peça, Édipo primeiro é alertado pelo velho cego Tirésias sobre seu crime. Depois entra em cena um mensageiro que anuncia a morte de Pólibo e que este, ao contrário do que acreditava Édipo, não é seu pai. Nesse momento ocorre a PERIPETEIA, que é uma virada da fortuna.

HAMARTIA ( erro trágico): Ocorre quando Édipo ataca o rei Laio sem saber quem ele é.

PATHOS ( sofrimento ): É a maneira que o poeta utiliza na tragédia para criar compaixão do público pelo homem injustamente infortunado. Isso gera uma emoção no público, que então passa pela CATHARSIS. Essa é uma forma de purificação dos sentimentos de medo e piedade que o público sente ao ver a peça.

HUBRIS( arrogância): Édipo revolta-se  contra o profeta Tirésias, que é o mensageiro dos deuses.

NEMESIS( castigo): Édipo não pode escapar ao fato de que é culpado mesmo sem ter tido consciência disso. O livre-arbítrio não está exposto de maneira clara  em sua trágica história. No entanto ele não estava predestinado a cometer o incesto. Sófocles proclama em sua obra o que o dramaturgo espanhol Calderón de La Barca colocou em sua peça A Vida é um Sonho:

“Pues el delito mayor del hombre es haber nacido.”

Édipo toma a terrível decisão de arrancar os próprios olhos para não ver o horror de seus atos nem a morte de sua mãe/esposa, Jocasta.Ele sente compaixão por seus filhos no final da peça por saber que cometeu o pecado pelo qual eles terão que pagar por toda a vida.

Sófocles permite que quem leia a peça ou a assista em um teatro passe pela experiência da CATHARSIS. Todos assistem a miséria de Édipo e sentem compaixão por ele. Como disse Aristóteles, a MIMESIS (imitação) faz parte do comportamento humano desde a adolescência. Contemplar a imitação de uma desgraça que poderia ter ocorrido na vida real produz um arrebatamento não somente no filósofo, mas também em todas as outras  pessoas, segundo Aristóteles. A dor da consciência de Édipo acontece porque ele cometeu o ato pecaminoso de maneira involuntária, porém como tinha a certeza de que era digno da ira dos deuses e das maldições que proferiu, passou realmente a acreditar que era mau por natureza. O momento que mais impressiona nessa tragédia é quando ocorre a virada da fortuna ( PERIPETEIA) na vida de Édipo. Sófocles provoca um grande impacto quando nos descreve o instante em que o personagem passa a saber a verdade. Seria ele culpado por tamanha monstruosidade como se casar e ter filhos com a própria mãe? É claro que não, mas em um mundo que parece ser o teatro onde os maus, as aberrações e os fatos imprevistos dominam, tudo isso pode ser possível. Sem que o ser humano tenha acesso a uma teologia verdadeira e conheça a verdade sobre o próprio bem que habita em seu ser, o desespero e a mentira prosperam. Não há um destino inevitável para decidir a sorte de todos os seres, no entanto, aquele que vive sem ter conhecimento da filosofia e da teologia pode muito bem justificar todas as desgraças e mazelas como sendo a vontade dos deuses.

Para a teologia de Platão, o ser humano deve adotar uma metafísica verdadeira a respeito de Deus. Apesar de não ter escrito especificamente sobre o personagem de Édipo, vale dizer que esse último enganou-se sobre seu verdadeiro ser e caráter. Como disse o filósofo Eric Voegelin, estar enganado sobre o próprio ser é permitir que a mentira( HOS ALETHOS PSEUDOS )tome a parte mais elevada da alma. Como ele tem uma opinião errada de Deus, não pode perceber que Deus é autor somente das coisas boas e que não engana o homem por palavras ou atos. Ele comete o incesto, mas sem ter alguém que o diga que ele é inocente, acaba por desesperar-se. Mas é claro que o objetivo de Sófocles foi alcançado, e quem lê sobre o destino de Édipo, e de sua filha, Antígona, continua até hoje se emocionando com essa que é a maior das tragédias gregas.

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