Conhecer a filosofia de John Rawls foi uma bela e ótima surpresa que eu tive. Como a filosofia política é uma das áreas que eu mais estudo, esse livro do filósofo americano traz uma nova reflexão sobre esse tema. A maneira como Rawls apresenta sua ideia de justiça é muito agradável de se ler, mas é preciso prestar atenção pois ele acrescenta termos novos durante os capítulos do livro.
Rawls é um contratualista na mesma tradição de Locke, Rousseau e Kant. No capítulo inicial chamado de Justiça como Equidade, Rawls apresenta a sua concepção de justiça e tenta diferenciá-la do utilitarismo de Bentham e Mill e também do intuicionismo. O filósofo americano define sua teoria como deontológica, na mesma tradição de Kant, o que é o oposto da tradição teleológica, que visa atingir um fim ou objetivo.
Dois termos novos que Rawls cria são a posição original e o véu de ignorância. A posição original é o estado teórico em que as pessoas estariam antes de poderem escolher entre a justiça como equidade de Rawls e o utilitarismo de Bentham e Mill. O véu de ignorância impossibilita a pessoa de saber sua posição original e suas qualidades e potencialidades.
Apresentados esses termos, Rawls descreve um sistema de justiça e analisa se ele é válido. O exemplo é o seguinte: ” Todos os valores sociais-liberdade e oportunidade, renda e riqueza, a as bases sociais do autorrespeito-devem ser distribuídos de forma igual, a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores seja vantajosa para todos.” Esse, na verdade, é o primeiro princípio geral. Rawls estabelece três concepções: a liberal, a democrática e a aristocrática.
A interpretação liberal visa a atenuar a influência das contingências sociais e do acaso natural, e busca garantir uma educação igual tanto pública quanto privada que acabe com as barreiras entre as classes. A interpretação aristocrática crê que a situação dos mais favorecidos seja justa desde que se ela fosse abolida resultasse que os inferiores ficariam ainda em pior situação. A interpretação Democrática busca que aqueles que estão em uma situação mais elevada na sociedade tenham mais expectativas desde que isso resulte em um ganho para os menos afortunados. Nessa interpretação democrática estão inseridos dois conceitos criados por Rawls: o princípio de diferença e o da ligação em cadeia. O segundo princípio geral tem a seguinte formulação:” as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) propiciemos o máximo benefício esperado para os menos favorecidos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades.”
Pouco a pouco Rawls vai desenvolvendo o seu raciocínio de como deveria ser uma sociedade bem ordenada. Gostei de como o filósofo americano tratou do problema da tolerância aos intolerantes. Para ele, os intolerantes só devem ser tolerados na medida em que suas ações não ameacem às liberdades dos tolerantes. Se esse for o caso, não pode haver tolerância. Quanto à questão das religiões e do dogma, Rawls diz que o Estado não deve permitir que esses temas entrem na discussão da justiça de qualquer sistema constitucional. Por exemplo, a opinião de São Tomás de Aquino de que os hereges devem ser mortos pois se o Estado condena à morte quem rouba ou falsifica, o que é um mal para a sociedade, quanto mais não deveria condenar quem faz o mal para a alma, que é mais importante. Rawls diz que essa opinião não pode ser introduzida em um diálogo racional, uma vez que é algo restrito ao dogma.
Na maior parte do tempo, Rawls parece estar apenas criticando o utilitarismo mais do que apresentando uma teoria nova. O fato é que o seu estilo de muitas indas e vindas pode não ser o mais acessível a todos. Pelo que eu consegui analisar do texto, Rawls avança muito lentamente na explicação do que seria uma sociedade bem ordenada partindo da posição original. Muitos temas vão sendo introduzidos na apresentação dessa sociedade como o dever de aceitar uma lei injusta desde que ela não exceda certos limites, podendo nesse último caso dar origem a uma legítima desobediência civil. A posição original é a de igualdade até que seja retirado o véu da ignorância, pois a partir desse momento cada um já sabe a sua posição na sociedade assim como suas forças e fraquezas. Como Rawls baseia essa posição em um contrato social, quem faz parte desse contrato é obrigado a aceitar certas regras do jogo. Por exemplo: não reclamar ou se rebelar quando suas vantagens não demonstrem ser benéficas para a camada dos menos afortunados; por causa desse tipo de exemplo, Rawls é um inimigo da meritocracia. Outro exemplo é o de ser tolerante com os diferentes sejam eles de religião oposta à sua ou de uma sexualidade que oficialmente seja condenada por seu grupo ou religião. Em uma sociedade bem ordenada o justo está acima do bem e o contrato social determina que quem não está oficialmente conspirando contra a liberdade da maioria deve ser tolerado, nesse caso, os homossexuais.
Esse tema do justo estar acima do bem merece uma explicação. Para a pessoa que pertença a uma das igrejas cristãs, o dogma identifica a proibição das relações íntimas com pessoas do mesmo sexo com o bem. No contratualismo de Rawls, no entanto, a justiça determina que a tolerância para com as minorias deva de sobrepor à noção de bem do cristianismo, pois na posição original ninguém sabe de antemão qual o seu destino e inclinações. Se refletirmos sobre esse conceito de Rawls veremos que ele é justo. Não gostaríamos de ser discriminados por algo do qual não temos controle e que não escolhemos ao nascermos.
A parte final do livro leva mais em conta aspectos psicológicos que poderiam causar um desajuste a essa sociedade bem-ordenada. A inveja é um desses casos. Rawls especula como o sentimento de inveja de um grupo de cidadãos poderia ser uma ameaça àqueles que estão em uma posição superior. Isso poderia ser causado pela baixa auto-estima desse grupo ou por causa de um sentimento de injustiça devido a uma má ordenação da sociedade. Rawls sugere que em um Estado contratualista, instituições variadas permitiriam a cada um exercer suas potencialidades de maneira adequada. Portanto, nesse tipo de Estado, a inveja não deixaria de existir, mas seria mais facilmente contida.
Rawls diferencia sua teoria da justiça das doutrinas teleológicas como a de Aristóteles ou da hedonista porque no primeiro caso ele não admite um fim específico; no caso hedonista, o prazer não seria mensurável. A teoria da justiça admitiria muitos fins, e cada um poderia buscar o tipo de felicidade que lhe fosse mais adequado.
Gostei muito do livro e da teoria de Rawls e o recomendo para todos os que estudam filosofia, ciência política ou Direito.