“Tarde te amei…”
As confissões de Santo Agostinho foi o primeiro livro de filosofia que eu estudei mais profundamente, isso ainda na minha juventude, e esse fato me marcou profundamente. Essa autobiografia nos faz reviver e refletir sobre a vida de falsos caminhos e pecados de Agostinho. Seu desenvolvimento intelectual, a relação com seus amigos e com sua fantástica mãe- santa Mônica- podem nos servir como exemplo vida. É claro que alguns dos pensamentos de Santo Agostinho sobre sua vida pecadora são exagerados, como quando ele fala sobre seus maus pensamentos quando criança, sua sexualidade de jovem e a relação com uma mulher que ele não nomeia, parecem-nos ingênuos nos dias de hoje. É muito mais interessante a história de sua vida de estudante e sua adesão ao maniqueísmo.
Em relação às suas crenças titubeantes e incertas foi com que eu mais identifiquei, pois minha vida pessoal também foi assim quando eu era jovem. Santo Agostinho teve seu amor despertado pela sabedoria com a leitura do Hortensius de Cícero. Mas o que é uma busca pela sabedoria sem a luz da fé? Esse foi o problema de Agostinho. Ele gostava da eloquência do filósofo romano e quando leu a Bíblia, desprezou-a por sua linguagem relativamente pobre quando comparada aos retóricos da antiguidade. A vida de Agostinho é a prova de que a simples leitura da Bíblia nunca converteu ninguém, mas que a fé vem pelo ouvido. Tendo o espírito em confusão, Agostinho busca no maniqueísmo as respostas pelas quais ele busca. Essa doutrina surgiu na Pérsia e foi criada pelo profeta Mani, e foi a mãe das futuras doutrinas gnósticas dos bogomilos, dos catáros e dos albigenses. Pregava que o sol era a origem de tudo e que a luz era a manifestação de Deus. Via o corpo como mal e prisão da alma. Agostinho estava impressionado pela fama de Fausto, um bispo maniqueu de quem ouvia falar; no entanto, quando ele o conheceu, sofreu uma decepção, porque Fausto não parecia ter respostas para as perguntas mais profundas da alma de Agostinho. Quando viaja à Itália, vai até a cidade de Milão para escutar um sermão de Santo Ambrósio, pois nesse momento ele já estava se sentindo atraído pela fé católica. Apesar do sermão penetrar fundo em seu espírito, Agostinho não se converte imediatamente. Mas as orações que sua santa mãe faz de longe parecem influenciar a seu filho. Agostinho se afasta do maniqueísmo e passa a estudar os filósofos neoplatônicos, especialmente Plotino. Se sua alma já se inclina para a fé, o corpo ainda está preso ao seu passado de concupiscência. Ele decide abandonar sua companheira por tantos anos, mas fica com seu filho Adeodato. Aos trinta anos, dá-se o seu batismo. Aqueles que ajudaram a conversão de Santo Agostinho foram Santo Ambrósio, Santa Mônica, a leitura com fé e sem apego à letra da Bíblia e a filosofia de Plotino ,que o ajudou a se libertar do dualismo gnóstico-maniqueu.
As reflexões sobre o tempo e a memória
A partir da segunda parte do livro, Agostinho passa a escrever páginas memoráveis sobre o tempo e a memória. As perguntas que os incrédulos de todos os tempos fazem sobre o que Deus fazia antes de criar o mundo são respondidas de uma maneira que até hoje nos impressionam. Deus não fazia nada antes de criar o mundo porque antes da criação não havia tempo; Deus criou o tempo e ele não é o movimento dos corpos nem dos astros, e sim da extensão da alma. Ele explica isso com o exemplo da música, já que ele escreveu um livro sobre o tema. Quando começamos a cantar uma música, o nosso corpo começa a soar e vibra; depois acaba e vem o silêncio. Ora, o tempo não podia ser medido antes de começar a soar porque era uma coisa futura. Quando cantávamos, também o tempo não podia ser medido, porque vinha e passava, e quando parávamos, a música já era passado. Passado e futuro não existem, mas apenas o presente, que, no entanto logo se torna passado. Deus está na nossa memória a partir do momento em que o conhecemos e passamos a desejar que não o esqueçamos. A memória é algo de fantástico que existe na mente humana. Como explicar que a memória se lembre daquilo que lembra ter esquecido? Como poder-se-ia explicar que todos os homens desejem à felicidade mesmo que nunca a tenham experimentado, pelo menos não nesse mundo? Agostinho explica que pela memória que temos da felicidade dos outros que vem pelos nossos sentidos é que passamos a desejar a felicidade. Nesse ponto, podemos questionar o quanto o conceito da anamnese platônica teria influenciado Agostinho? Alguns pensam que ele acreditava na preexistência da alma; outros negam que ele tivesse seguido os neoplatônicos nessa questão. Na minha opinião, Santo Agostinho negava a preexistência da alma porque isso praticamente implicava a noção do corpo como prisão da alma, o que ele via como repugnante. Já no fim do livro, o santo diz que onde há desordem reina a agitação; e na ordem reina a paz. Esse é a base futura para a sua afirmação de que a paz é a tranquilidade da ordem. Pensamento muito atual para o mundo de hoje, e para àqueles que só pensam em uma vida em que “amam amar”. Como quando eu li esse livro meu “coração estava inquieto enquanto não repousava em Deus”, As Confissões permanecerão para sempre como um livro decisivo na minha vida.