O Credo do Filósofo Platônico de Thomas Taylor

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O credo escrito pelo grande filósofo neoplatônico inglês Thomas Taylor (1758- 1835) é de uma beleza inacreditável. A tradução é nossa e foi feita a partir do original em inglês que pode ser acessado em  http://www.prometheustrust.co.uk/Platonic_Philosophers_Creed.pdf

 

  1. Eu acredito que exista uma causa única para todas as coisas, cuja natureza é tão imensamente transcendente, que é mesmo supraessencial; e, em consequência disto, ela não pode ser propriamente nem nomeada nem discutida, ou mesmo concebida pela opinião, ser conhecida e nem percebida por nenhum ser.
  1. Eu acredito, no entanto, que é legítimo dar um nome àquilo que é verdadeiramente inefável as denominações de O Uno e O Bem, pois estas são as mais adequadas para isso. O primeiro desses nomes indica o princípio de todas as coisas, e o último aquilo que é o objeto último de desejo de todas as coisas.

  1. Eu acredito que este princípio imenso produziu tais coisas que são mais próximas e similares a si mesmo; tal como o calor imediatamente procedente do fogo é mais similar ao calor no fogo, e a luz imediatamente emanada do sol àquilo que o sol essencialmente contém. Então, este princípio produz muitos princípios próximos a si mesmo.
  2. Da mesma maneira, eu acredito que, desde que todas as coisas diferem entre si, e são multiplicadas em suas próprias diferenças, cada uma destas multidões são suspensas de seu princípio único. Portanto, em consequência disso, todas as coisas belas, sejam almas, sejam corpos, são suspensas de uma única fonte do belo. Tudo aquilo que possui simetria e seja verdadeiro, assim como todos os princípios são, de certa maneira, inatos ao princípio primeiro, até enquanto sejam princípios, com sujeitos e analogias adequadas. Que todos os outros princípios estão compreendidos neste primeiro, não com intervalo ou multiplicidade, mas como partes de um todo e números na mônada. Que não são um certo princípio como o restante; pois destes, um é o princípio do belo, outro da verdade, e outro de alguma outra coisa, mas é simplesmente princípio. Nem é simplesmente o princípio dos seres, mas o princípio dos princípios; sendo necessário que a característica própria do princípio, da mesma maneira que as outras coisas, deva começar não de uma multiplicidade, mas ser coletada de uma mônada como um ápice, que é o princípio dos princípios.
  1. Eu acredito, portanto, que tais coisas como são produzidas do bem primeiro, em consequência de serem nascidas junto a ele, e não recuam da bondade essencial, pois são imóveis e não mudam, sendo eternamente estabelecidas na mesma benção. Todas as outras naturezas, no entanto, sendo produzidas pelo bem único, e também pelos bens múltiplos, desde que estejam fora dos bens essenciais, não são estabelecidas de maneira fixa na natureza divina do bem, por isso possuem o bem de acordo com a participação.
  2. Eu acredito que todas as coisas consideradas como subsistindo causalmente neste imenso princípio são transcendentalmente mais excelentes do que quando consideradas como efeitos procedendo dele. Este princípio é muito propriamente dito ser todas as coisas, anterior a tudo, sendo a prioridade denotando a ausência de transcendência. Assim como o número pode ser considerado como subsistindo de maneira oculta na mônada, e o círculo no centro; este oculto sendo o mesmo que a subsistência causal.
  1. Eu acredito que a maneira mais própria de venerar este grande princípio dos princípios é prolongar em silêncio os partos inefáveis da alma junto com sua inefável co-sensação; e, se for permitido celebrá-lo, e para que seja celebrado como uma escuridão três vezes desconhecida, como o Deus de todos os Deuses, a unidade de todas as unidades e a unidade de todas as unidades; como mais inefável do que todo silêncio, e mais oculto do que toda essência; como o santo entre os santos, e o ocultado em sua primeira descendência, os Deuses inteligíveis.
  1. Eu acredito que as naturezas autosubsistentes são a descendência imediata deste princípio, se é permitido que denominemos as coisas que deveriam ao invés serem chamadas de inefáveis desdobramentos na luz do inefável.
  2. Eu acredito que as formas incorpóreas ou ideias residentes no intelecto divino, são os paradigmas ou modelos de todas as coisas que têm uma subsistência perpétua de acordo com a natureza. Que estas ideias subsistem primariamente nos mais altos intelectos; secundariamente nas almas; e, por último, nas naturezas sensíveis. E que elas subsistem em cada uma delas caracterizadas pelas propriedades essenciais dos seres nos quais elas estão contidas. Que elas possuem poderes paternais, produtivos, protetores, conectivos, aperfeiçoadores e unificadores. Que nos seres divinos elas possuem um poder de fabricação e gnóstico; na natureza, um poder de fabricação, porém, não gnóstico; e nas almas humanas em sua presente condição, por causa da degradação do intelecto, um poder gnóstico, mas não de fabricação.
  1. Eu acredito que este mundo, dependendo de seu divino artífice, que é ele mesmo o mundo inteligível, repleto das ideias arquetípicas de todas as coisas, está perpetuamente em fluxo e perpetuamente avançando ao ser e, comparado ao seu paradigma, não possui estabilidade ou a realidade do ser. Isto considerado, no entanto, como animado por uma alma divina, e sendo o receptáculo das divindades das quais os corpos são suspensos, é justamente chamado por Platão de Deus bendito.
  1. Eu acredito que o grande corpo deste mundo, que subsiste em uma perpétua dispersão da extensão temporal, pode ser propriamente chamado de um todo, com uma subsistência total, ou a totalidade das totalidades, por conta da perpetuidade de sua duração, mas que isso não é mais do que uma eternidade em movimento. Que as outras totalidades que ele contém são as esferas celestes; a esfera do Éter; a totalidade do ar considerada como uma grande orbe; a totalidade da Terra e do mar. Que estas esferas são partes de uma subsistência total, e através dos quais essa subsistência é perpétua.
  1. Eu acredito que todas as partes do universo são incapazes de participar da providência divina da mesma maneira, mas que algumas de suas partes a gozam eternamente, e outras temporariamente; alguns de maneira primária, e outros de maneira secundária; pois para o universo ser um todo perfeito, deve ter uma parte inicial, do meio e final. Mas as primeiras partes, tendo a subsistência mais excelente, devem existir sempre de acordo com a natureza. Mas suas partes finais algumas vezes existem de acordo com a natureza e, algumas vezes, contra a natureza. Pois os corpos celestes, que são as primeiras partes do universo, perpetuamente subsistem de acordo com a natureza, ambas as totalidades das esferas e a multidão coordenada dessas totalidades; e a única alteração que eles experimentam é uma mudança de imagem, e uma variação da luz em diferentes períodos; mas na região sublunar, enquanto as esferas dos elementos permanecem de acordo com sua subsistência, como totalidades, sempre de acordo com a natureza, algumas partes do todo às vezes possuem uma subsistência natural e, outras vezes, não. Pois somente assim o círculo da geração pode gerar todas as variedades que contêm. Os diferentes períodos nos quais estas mudanças acontecem são propriamente chamados por Platão de fertilidade e esterilidade: pois nesses períodos a fertilidade e a esterilidade dos homens, animais e plantas acontecem; assim, nos períodos férteis a humanidade será ao mesmo tempo mais numerosa e superior em dotes mentais e físicos à humanidade de períodos áridos. O mesmo tipo de raciocínio pode ser estendido aos animais irracionais a às plantas. A pior consequência, portanto, que é produzida por um período de escassez em relação à humanidade é esta, que em tal período eles não possuam uma teologia científica, e que neguem a descendência imediata da causa inefável de todas as coisas.
  1. Eu acredito que, como as divindades são eternamente boas e aproveitáveis, mas que não são nunca nocivas, e que sempre subsistem de uma maneira de ser uniforme, que nós somos reunidos com elas com a similitude quando somos virtuosos, mas separados com dessemelhança quando somos viciosos. Que quando vivemos de acordo com a virtude, nós participamos dos Deuses, mas os transformemos em inimigos quando somos maus; não que eles sejam raivosos (pois a raiva é uma paixão, e eles são impassíveis), mas porque a culpa nos previne de receber as iluminações dos Deuses, e nos sujeitam ao poder dos daimons da justiça fatídica. Por isso, eu acredito que, se nós obtemos o perdão de nossa culpa através de orações e sacrifícios, nós nem acalmamos os Deuses, nem causamos nenhuma alteração neles; mas por métodos deste tipo, e por nossa conversão a uma natureza divina, nós aplicamos um remédio aos nossos vícios, e novamente nos tornamos participantes da bondade dos Deuses. Isso é o mesmo que afirmar que a divindade é virada do mal, assim como o sol é escondido daqueles que não possuem visão.
  1. Eu acredito que a natureza divina não é indigente de qualquer coisa. Mas as honras que são dadas aos Deuses são feitas com o objetivo de beneficiar àqueles que as prestam. Então, desde que a providência dos Deuses é extensiva a qualquer lugar, um certo hábito ou aptidão são todos os requisitos para a recepção de suas comunicações beneficentes. Mas todo hábito é produzido através de imitação e similitude. Desta maneira, os Templos imitam aos céus, mas os altares, a Terra. Estátuas lembram a vida e, dessa maneira, elas são similares aos animais. Ervas e pedras lembram a matéria, e os animais que são sacrificados, a parte irracional de nossa alma. De tudo isso, no entanto, nada acontece aos Deuses além daquilo que eles já possuem. Pois qual aumento pode ser feito a uma natureza divina? Mas uma conjunção de nossas almas com os Deuses é, por esse meio, alcançada.
  1. Eu acredito que, como o mundo pode ser considerado como um animal divino, então toda a totalidade que ele contém é um mundo, possuindo em primeiro lugar uma unidade em si perfeita que procede do inefável, e pelo qual torna-se um Deus; em segundo lugar, um intelecto divino; em terceiro, uma alma divina; e por último, um corpo deificado. Que todas essas totalidades são as causas produtivas de toda a multiplicidade que elas possuem, e que dessa maneira é que é dito que o todo é maior que as partes, pois consideramos que possua uma forma eterna que sustenta todas as suas partes juntas, e as fornece toda a perpetuidade da subsistência, não sendo indigente de tais partes para a perfeição de seu ser. E disso segue que, por uma necessidade geométrica, essas totalidades, que estão postas no ponto mais alto do universo, sejam animadas.
  1. Portanto, eu acredito que, após o imenso princípio dos princípios, no qual todas as coisas causalmente subsistem absorvidas em uma luz supraessencial, e envolvidas em profundezas insondáveis, uma série de princípios procedam, todos largamente participando do inefável, todos com a estampa dos caracteres ocultos da Divindade, e todos possuindo uma transbordante completude do bem. Destes ápices deslumbrantes, essas inefáveis flores, essas propagações divinas- ser, vida, intelecto, alma, natureza e corpo dependem; mônadas suspensas de unidades, naturezas deificadas procedendo de deidades. Que cada uma dessas mônadas é a líder de uma série que se estende até o fim das coisas e que, ao mesmo tempo em que procedem delas, ao mesmo tempo as mantém e as devolvem ao seu líder. Então todas as coisas procedem dele, e estão compreendidas no ser primeiro; todos os intelectos emanam do intelecto primeiro; todas as almas, da alma primeira; todas as naturezas florescem de uma natureza primeira; e todos os corpos procedem do corpo vital e luminoso do mundo. Que todas essas grandes mônadas estão compreendidas no ser primeiro, e do qual elas e todas as séries que dependem delas são reveladas para a luz. Portanto, este primeiro é verdadeiramente a unidade das unidades, a mônada das mônadas, o princípio dos princípios, o Deus dos deuses, único e todas as coisas e, mesmo assim, o um anterior a todos.
  2. Eu também acredito que alguns Deuses são mundanos, mas outros supramundanos; e aqueles que são mundanos são os que fabricam o mundo. Mas, dos supramundanos, alguns produzem essências; outros, intelecto e a alma; e neste sentido, eles se distinguem em três ordens: dos Deuses mundanos, alguns são a causa da existência do mundo; outros o animam; outros o harmonizam; portanto, são compostos de diferentes naturezas. E, por fim, outros guardam o mundo e o preservam de maneira harmônica. Desde que essas ordens são quatro, e cada uma consiste de coisas primárias, intermediárias e últimas, é necessário que os governadores delas sejam doze. Então, Zeus (Ζεύς), Poseidon (Ποσειδῶν) e Hefesto (Ήφαιστος) fabricam o mundo; Deméter (Δημήτηρ), Hera (Ἥρα) e Ártemis (Άρτεμις) o animam; Hermes (Ἑρμής), Afrodite (Αφροδίτη) e Apolo (Ἀπόλλων) o harmonizam; e, por último, Héstia (Ἑστία), Atena (Αθηνά) e Ares (Ἄρης) o governam com o poder de guardiões. Mas a verdade disto pode ser vista em estátuas, como em enigmas. Pois Apolo harmoniza a lira; Palas Atena (Παλλάς Αθηνά) é investida com braços; e Afrodite está nua; sendo que a harmonia produz beleza, e a beleza não está restrita aos objetos sujeitos à inspeção. Eu, portanto, acredito que esses Deuses possuem primariamente o mundo. É necessário considerar os outros Deuses mundanos como subsistindo neles. Dionísio (Διόνυσος) em Zeus; Asclépio (Ἀσκληπιός) em Apolo, e as Graças (Χάριτες) em Afrodite. Nós também contemplamos as esferas nas quais eles estão conectados. Héstia com a terra, Poseidon com a água, Hera com o ar, e Hefesto com o fogo. Mas Apolo e Ártemis são assegurados ao Sol; a esfera de Cronos (Κρόνος) é atribuída a Deméter; o Éter a Palas (Παλλάς Αθηνά); e o Céu é comum a todos eles.
  1. Eu também acredito que o homem é um microcosmo, compreendendo em si mesmo parcialmente todas as coisas que o mundo contém divinamente e em sua totalidade. Assim, ele é dotado com um intelecto subsistindo em energia, e com uma alma racional que procede das mesmas causas do que aquelas das quais o intelecto e a alma do universo procedem. E que ele possui igualmente um veículo etéreo análogo aos céus, e um corpo terrestre composto de quatro elementos e com o qual é coordenado.
  1. Eu acredito que a parte racional do homem, no qual sua essência consiste, é de uma natureza automotiva, e que subsiste entre o intelecto- que é imóvel tanto em essência como em energia- e a natureza, que tanto move quanto é movida.

 

  1. Eu acredito que tanto a alma humana, quanto a do mundo, usam períodos e restituições de suas próprias vidas. Pois em consequência de serem medidas pelo tempo, energizam transitivamente, e possuem um movimento próprio. Mas tudo que é movido perpetuamente, e participa do tempo, revolve periodicamente, e procede do semelhante para o semelhante.
  1. Eu também acredito que, como a alma humana se situa entre o número daquelas almas que algumas vezes seguem as divindades mundanas, em consequência de subsistirem imediatamente após os anjos, daimons, e heróis, que são os ajudantes perpétuos dos Deuses, ela possui o poder de descer infinitamente até a região sublunar e ascender daí para o ser real. Em consequência disso, a alma, enquanto habitante da Terra, está em uma condição decaída, como uma apóstata de deidade, e em exílio da órbita da luz. E ela só pode ser restaurada, enquanto na Terra, à semelhança divina, e de, após a morte reascender ao mundo inteligível, pelo exercício de virtudes catárticas e teóricas; a primeira purificando ela da contaminação de sua natureza mortal, e a última elevando ela à visão do ser verdadeiro. A partir disso a alma, após a morte, retorna à sua estrela familiar do qual ela caiu, e goza uma vida abençoada.
  1. Eu acredito que a alma humana essencialmente contenha todo o conhecimento, e que qualquer conhecimento que ela adquira na vida presente não é nada mais do que uma recuperação daquilo que uma vez ela já possuiu, e que a disciplina evoca de seu recuo adormecido.
  1. Eu também acredito que a alma é punida no futuro pelos crimes que ela cometeu na vida presentes, mas que essa punição é proporcional aos crimes, e não é perpétua. A punição divina é feita não por raiva ou vingança, mas em ordem a purificar a alma culposa, e de restaurá-la à perfeição própria de sua natureza.
  2. Eu também acredito que a alma humana, quando parte desta vida presente irá, se não propriamente purificada, passar a outros corpos terrenos; e se ela passar a um corpo humano, irá tornar-se a alma daquele corpo; mas se passar a o corpo de um animal, não irá tornar-se a alma de um animal, mas será externamente conectada com a alma do animal da mesma maneira que os daimons, que presidem, em suas operações beneficentes, com a humanidade; pois a parte racional nunca se converte em uma natureza irracional.
  1. Por último, eu acredito que as almas que vivem virtuosamente devem, em outros aspectos, serem felizes; e quando separadas da natureza irracional, e purificadas do corpo, serem reunidas aos Deuses, e governarem o mundo inteiro junto com as deidades que foram produzidas por eles.
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