Resenha: The Destruction of Reason, de György Lukács

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O historiador de origem húngara John Lukacs, compatriota do filósofo György Lukács, em seu livro O Hitler da História, afirma que The Destruction of Reason é o livro mais fraco do filósofo húngaro de inegável talento. O historiador Lukacs é confessadamente conservador, ao contrário do filósofo Lukács, que foi um dos grandes intelectuais do marxismo. Não conheço em toda sua extensão a obra do filósofo marxista, mas, comparando The Destruction of Reason com os outros livros de Lukács, creio que ele está dentro do mesmo nível tanto em seus erros como em suas verdades.

É preciso dizer que o livro é um tanto complicado pela quantidade enorme de nomes e filósofos mencionados, fora a existência de alguns capítulos dispensáveis, o que torna o livro demasiadamente longo.

Lukács pretende durante o livro demonstrar que a ascensão do Nacional-Socialismo e as consequentes ações e monstruosidades do regime nazista não foram fruto do mero acaso. A filosofia alemã, segundo ele, historicamente preparou o terreno para que o irracionalismo de Hitler/Rosenberg pudesse existir. Há um capítulo bastante extenso sobre a história alemã desde a Reforma que pretende explicar certas características da nação alemã formada ao longo dos séculos. Acredito que Lukács perdeu a oportunidade de esclarecer o porquê de a história alemã ter sido marcada ao longo do tempo por tantas revoluções radicais e guerras sangrentas. A caça às bruxas foi muito mais ampla no território alemão do que em qualquer outro lugar; no fim da Idade Média, Norman Cohn estudou uma obra impressionante que é uma espécie de visão do nazismo do século XX chamada Livro dos Cem dias. A sede de sangue e de uma revolução pelo autor do livro impressiona. As razões foram puramente econômicas? Não creio.

A crítica filosófica de Lukács começa a partir da análise do pensamento de Schelling, que ele contrapõe à filosofia de Hegel. O tema principal, no qual Lukács vai insistir e muito durante o restante do livro, é a reação dos filósofos alemães à filosofia hegeliana e seu caráter dialético. Lukács, defensor ardoroso do método do materialismo dialético, quer demonstrar o caráter irracional de toda a filosofia que negue o progresso histórico ou uma ausência de crítica em relação aspectos econômicos e sociais no pensamento filosófico. Schelling, por exemplo, é criticado pelo filósofo marxista por negar a noção hegeliana de que Deus é revelado historicamente aos homens. Schelling alega que a relação de Deus com os homens é imediata ao longo do tempo. Não há uma revelação progressiva. Isso é inadmissível para Lukács.

É o mesmo problema que ele vai apontar em Schopenhauer, que foi um filósofo antidialético por excelência. Não somente contrário à dialética mas também a histórico e antiprogressista. Considerei a crítica de Lukács a Schopenhauer fraca. Ele se concentra muito ao reacionarismo pessoal do filósofo alemão, o que achei dispensável.

Quanto a Nietzsche, que é o filósofo mais destacado do livro, Lukács reconhece a autenticidade do filósofo em seu apelo ao barbarismo. Nietzsche escreveu muito sobre o socialismo, porém sem dominar a bibliografia sobre o tema. Em seu apelo à barbárie, Lukács vê em Nietzsche um Nacional-Socialista avant- la-lettre, fora o seu imperialismo explícito da defesa da força. Todo apelo de Nietzsche em defesa dos mais fortes é paralelo ao crescimento do militarismo alemão, e Lukács não deixa de perceber o paralelo.

The Destruction of Reason também é dedicado a um estudo sobre a sociologia alemã. Vários autores desconhecidos para mim são mencionados, mas a parte sobre Max Weber é a melhor. Lukács pode até não ter concordado com a sociologia de Weber, mas não fica claro o seu “irracionalismo”.

Teria sido necessário um maior esclarecimento para a comparação entre filosofias e pensamentos que, apesar de não dialéticos como os de Schopenhauer e Kierkegaard, com os de nacionalistas e muitas das vezes obscurantistas como os de Heidegger, por exemplo. O pessimismo de um Schopenhauer era sobretudo metafísico. O irracionalismo alemão especialmente do início do século XX era sobretudo nacional, racial e político. Gobineau eChamberlain são estrangeiros, mas florescem principalmente em solo alemão. Há um sentimento de decadência iniciado por Nietzsche que recebe apoio da sub-intelectualidade da época. Há toda uma pseudociência produzida após o darwinismo, que ele tanto defende, que produz muito mais “irracionalismo” do que a antidialética de um Kierkegaard, por exemplo.

Concordo, sim, que o pensamento alemão da época vai se fechando cada vez mais sobre si mesmo. Nesse sentido é antidialético, mas sobretudo é obscurantista por associar-se cada vez mais a um imperialismo e a um expansionismo. Há um sentimento de ameaça contra as particularidades da cultura alemã. A pseudofilosofia do século XIX vai produzir um Chamberlain, que por sua vez vai gerar uma aberração como Rosenberg.

Teriam todas essas coisas sido causadas pela falta de um pensamento dialético, pelo determinismo e ausência de reflexão social? Em parte sim, mas uma crítica à ciência ou pseudociência da época teria sido necessária. O imperialismo e irracionalismo da época estão relacionados também ao otimismo científico, e não apenas à reflexão filosófica.

No final do livro, Lukács cita (p.616) um pensamento de Thomas Mann que serve de alerta inclusive ao Brasil atual, com seus movimentos obscurantistas de controle político e educacional:

“Disse uma vez que as coisas só caminhariam bem na Alemanha e que esta só encontraria a si mesma no dia em que Karl Marx leria a Hölderlin, enquanto este, junto aos demais, está a ponto de ser ensaiado. Esqueci-me de mencionar que uma escolha unilateral de conhecimento seria necessariamente infecunda.”

O alerta contra o crescimento do Fascismo está dado.

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