Considero a estética um dos temas mais apaixonantes da filosofia, e a história da arte no mundo ocidental -e de como ela pôde desenvolver-se apesar da proibição bíblica- um tema especialmente rico em alguns desdobramentos. Geralmente ouvimos muito essa palavra “iconoclastia”, mas poucos sabem o que ela representa exatamente, e as consequências que ela gerou para algumas das grandes civilizações. O livro de Alain Besançon A Imagem Proibida- Uma História intelectual da Iconoclastia é uma ótima referência para o estudo do movimento iconoclasta, desde algumas ideias anteriores à famosa revolta em Bizâncio, até seus reflexos nos dias atuais.
Besançon foi muito feliz ao fazer uma comparação entre a maneira de ver o mundo da Filosofia e a da Bíblia, pois assim a compreensão do tema ficou mais fácil. Para uma filosofia como a platônica- que depois vai ser retomada com muita força pelo Pseudo-Dionísio, autor que vai influenciar o aparecimento da arte gótica e sua paixão pela luz, o mundo e sua realidade são uma escada que nos levam progressivamente até Deus. É bom lembrarmos que a própria dialética platônica vai do mundo até as Ideias e de lá desce até a Terra. Portanto, como reconhece Besançon, para Platão e seu modo de ver a realidade existe sempre uma esperança de vermos a divindade, ao contrário de Aristóteles, para quem essa visão é impossível. É verdade que Platão considera a arte como uma imitação da imitação, uma vez que nosso mundo é apenas um reflexo imperfeito do mundo das Ideias, mas a arte serve como essa já mencionada escada até o divino. O espírito pagão de forma alguma via contradição entre a natureza e a divindade. Nesse sentido era muito mais otimista do que a Bíblia.
Apesar de Besançon não afirmar explicitamente, é óbvio que a arte no Ocidente só prosperou porque o espírito pagão- em particular a Filosofia platônica- penetrou dentro da Igreja. Dificilmente alguém encontrará margem para justificar uma arte como a nossa lendo a Bíblia. O filósofo francês Alain de Benoist afirma que a mentalidade do Judaísmo e do Islamismo são a de povos do deserto no qual só há o nada e o silêncio. É a antítese do espírito grego. Por causa do lento desenvolvimento da filosofia no início do Cristianismo, a arte cristã dos primeiros séculos é bastante pobre. O Cristianismo primitivo para um filósofo como Plotino pouco se diferenciava do gnosticismo, pois para ele ambos eram extremamente pessimistas e hostis ao mundo. Foi preciso um auxílio da Filosofia para a Igreja evitar cair em um pessimismo de cunho gnóstico definitivamente.
O movimento iconoclasta mais famoso foi o que aconteceu em Bizâncio a partir do século VIII. Besançon reafirma o que já havia sido citado por outros historiadores desse fenômeno, ou seja, que as sucessivas derrotas militares do Império Bizantino pelos exércitos árabes contribuíram decisivamente para que alguns associassem às derrotas ao culto das imagens, haja vista que o islã era hostil a toda representação artística de Deus ou de Maomé. O Oriente, por mais que tenha restabelecido parcialmente as imagens (o ícone ortodoxo é bidimensional, sendo que a escultura foi rejeitada), ficou separado do rico debate artístico e estético que ocorria no Ocidente. Besançon afirma corajosamente que o ícone ortodoxo passou a ter um valor não de todo artístico, pois é muito inferior à arte católica europeia, mas sim principalmente porque o fiel ortodoxo poderia passar a dar graças a Deus “por ser discípulo de São Gregório de Palmas e não de Santo Agostinho, de ser ortodoxo e não católico ou protestante”. O ícone passa a ser um símbolo de nacionalismo.
O movimento iconoclasta é uma consequência inevitável da radical separação entre Deus e o mundo conforme a narrativa bíblica. O islã levou isso a um nível de radicalismo ainda maior. Dessa maneira, passo a concordar com Alain de Benoist que nossa época nunca foi tão judaica-bíblica-islâmica, pois não existe mais arte digna desse nome e o sentido do maravilhoso dos gregos e mesmo dos medievais está acabado. Acontece que da mesma forma que a presença de Deus no mundo foi banida no Antigo Testamento como no Alcorão, o mundo moderno baniu Deus dos céus, e agora só nos resta um vazio perpétuo.