Desde o século XIX, século do otimismo e da técnica, e tendo seu auge no século XX, o avanço da civilização Ocidental produziu uma enorme “fé” secularizada nos poderes do homem e um progressismo bastante doentio. O livro do filósofo alemão Hans Jonas O Princípio Responsabilidade, escrito em 1979, no fundo é uma grande denúncia contra qualquer utopia progressista, seja capitalista ou comunista.
Não há dúvidas de que para que haja qualquer ideia de progresso existe a necessidade de que o Ser exista, pois Jonas não cansa de afirmar que a vida é “um não enfático ao não-ser”. Sem qualquer otimismo raso e mesmo reconhecendo que doutrinas filosóficas pessimistas são realmente difíceis de refutar, Jonas afirma que a pergunta radical e de origem teológica feita por Leibniz “Por que existe alguma coisa ao invés do nada?” já garante, na mesma medida que o Gênesis e o Timeu de Platão, que o mundo seja bom, pois o existir é preferível ao não-existir. Muito provavelmente sem essa visão religiosa platônico-mosaica, que Jonas não esconde que prefere, a ética da responsabilidade já estaria comprometida seriamente.
O próprio sentido do princípio responsabilidade é uma alteração do imperativo categórico kantiano, isso porque Jonas ensina que Kant, e outras teorias éticas desde a Antiguidade, estavam basicamente preocupadas com o indivíduo somente, já o seu novo princípio estende-se a toda humanidade, e esse imperativo passa a ser: “age de maneira que tuas ações não comprometam a existência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”. Isso é necessário porque uma nova civilização tecnológica implica que certas ações humanas possam comprometer o futuro da humanidade e dos seres que ainda estão por vir. Hans Jonas é enfático ao afirmar que o indivíduo isolado pode até negar-se a trazer filhos ao mundo, mas a humanidade como um todo não tem o direito a um suicídio coletivo.
Todo o texto do livro de Jonas aborda de uma maneira um tanto breve e superficial a questão do otimismo versus o pessimismo, pois isso vai além de uma doutrina como o marxismo. Digo isso porque Jonas acerta ao afirmar que o marxismo é filho direto- e o mais radical- do ideal de Francis Bacon de uma luta eterna do homem contra a natureza para extrair dela seus segredos. No fundo a liberdade marxista é destrutiva não somente contra a natureza, pela qual Marx e seus seguidores não demonstram qualquer compreensão, mas também contra os valores Ocidentais, de cujos valores os marxistas desconfiam profundamente. E mais: Jonas também denuncia que o comunismo marxista e todo progressismo esconde seu pessimismo sob o véu de um “otimismo” contraditório, pois quem quer melhorar o mundo a qualquer preço é porque está pessimista ao extremo em relação à humanidade atual.
É muito interessante a crítica que Jonas faz ao capitalismo e comunismo contemporâneos como a toda civilização tecnológica atual. Todos os avanços na criação de máquinas e aparelhos que possibilitaram uma expansão notável da produção, e que foram endeusadas por todos, mas especialmente os marxistas, terminaram por reduzir a carência histórica da humanidade por bens de consumo e alimentos, porém geraram ironicamente uma notável necessidade de trabalho. Tudo ficou mais acessível, mas as atividades que existiam anteriormente foram extintas, lançando milhões ao desemprego, de maneira que tanto as sociedade capitalistas como comunistas tiveram que inventar “empregos”, em sua maioria sem sentido e entediantes, para preencherem a existência vazia da massa de desempregados.
Acredito que Jonas é muito feliz em mostrar as mazelas que a tecnologia atual trouxe ao Homem, mas ele não aborda é que os problemas atuais vão muito além da questão das máquinas ou do uso errado da ciência. O problema está também na perda do sentido de Transcendência que o Ocidente há 200 anos perdeu quase que completamente. Tudo isso está refletido em termos sociais, pois é certo que o progresso científico está nos matando, vide o controle de natalidade proporcionado pela pílula, sendo que os locais menos “científicos” do planeta, como certas partes do Oriente e da África são os que possuem maior expansão demográfica. O Ocidente definitivamente não possui a melhor resposta em termos do funcionamento da sociedade para garantir sua sobrevivência em longo prazo. Não há mais dinamismo ou esperança, o que é a negação da existência do Ser, preferível ao não-Ser, e de que o mundo tem um propósito e uma finalidade. Hans Jonas afirma de certa maneira que o Ocidente destrói a si mesmo quando tenta anular qualquer necessidade de sua população de trabalhar de maneira criativa por sua sobrevivência. A liberdade precisa da necessidade, não cansa escrever Jonas durante o livro. Uma população com excesso de benefícios e um longo tempo livre tem um potencial destrutivo ainda não testado em toda sua extensão até o tempo de Jonas, mas que hoje nós percebemos de maneira mais clara.
Agora, no fim dessa resenha, posso comparar duas tendências que são abordadas de maneira superficial no livro, mas que são importantíssimas para uma melhor compreensão do que está por vir: a entropia e a sintropia. A entropia acredita que o Universo está desde sempre em decadência e que tudo tende para o caos ao longo do tempo. O Universo está perdendo força. A Sintropia, ao contrário, afirma que o Universo caminha para uma ordem cada vez maior, e na concepção platônica isso significa que o homem, como imago Dei, é um auxiliar no estabelecimento dessa ordenação do Universo. Jonas até cita o platônico Whitehead, que afirmava “que o universo era um avanço para uma novidade sempre criativa”. Muito antes dele, Nicolau de Cusa, também um filósofo platônico, reagia contra o princípio de entropia de Aristóteles. Cusa, em seu livro De Concordantia Catholica, afirmava: “A entropia existe da mesma maneira que o Mal existe. Não possui um Ser positivo, e portanto existe apenas na mesma extensão que o homem, através do mau uso do seu livre-arbítrio, afasta-se do bem. Ao invés de ser uma lei do Universo, a entropia é uma consequência maligna da decisão do homem de decrescer sua capacidade de receber o Bem e a Graça de Deus.” Sem essa fé no futuro que o Ocidente e o próprio Brasil exibem, não existe maneira do princípio responsabilidade de Hans Jonas existir, como também a própria existência do homem sobre a Terra.