Clássica visão da Idade Média
O livro revela os ideais da vida na corte na França e Países Baixos nos séculos XIV e XV. A visão do amor e da morte e os ideais da cavalaria; a vida religiosa e os seus excessos, que muitas vezes caem na superstição. Huizinga nota como a Igreja era tolerante com os mais estranhos desvios doutrinários. A parte mais famosa do livro é a que fala do sentimento estético. O melhor do espírito medieval foi preservado na pintura flamenga, mais do que na poesia. Há uma análise detalhada da obra de Van Eyck, e uma parte que mostra o desprezo de Michelangelo pela arte medieval, que ele não compreendia.
A sensação da absoluta aniquilação do individual não podia ser tolerada pela igreja. Uma visionária contou a Jean de Gerson que em sua contemplação de Deus sua mente foi aniquilada e então foi criada uma nova mente. Como você sabe? ele a perguntou. “eu experimentei isso”, ela respondeu, sem perceber o absurdo de sua resposta. A igreja só poderia tolerar em forma de imagens. Santa Catarina de Siena podia dizer que seu coração foi transformado no coração de Cristo, mas Marguerite Porete, que fazia parte da seita dos irmãos do livre espírito, que acreditava que sua alma havia sido aniquilada por Deus, foi queimada em Paris. Essa ideia de que a alma absorvida em Deus não poderia mais pecar foi sempre combatida pela igreja, da mesma forma que a ideia de que a salvação para o crente é certa, pois bastaria crer para ser salvo.
Para Huizinga a missão da arte era enfeitar as formas nas quais se vivia a vida com beleza. Não se buscava a arte em si, mas sim a vida bela. Ele lamenta que não possamos ver as cenas de caçada e de banho de Van Eyck ou de Rogier van der Weyden. temos uma imagem da espetacular cena de banho de Van Eyck na página 421, onde uma mulher nua está de pé se banhando, enquanto outra a observa delicadamente. A imagem das duas é refletida em um espelho que está na parede. O homem do fim da idade média, vivendo numa época de profundo pessimismo, busca o prazer no amor, na dança e na música, mas é necessário enobrecê-la com a beleza.
Huizinga faz uma análise do quadro o casamento dos Arnolfini e mostra como ele representa o anoitecer da idade média, uma era medieval feliz, nobre, pura e simples da canção popular. Essa obra representa o auge da estética medieval na pintura. Essa maravilhosa estética também pode ser vista na obra os Sete Sacramentos de Van der Weyden. A arte de Van Eyck é completamente medieval e ela representa o seu ponto final. O que Michelangelo irá criticar na arte medieval, que emocionava a tantos e continua a emocionar até os dias de hoje, é a tendência a considerar cada particularidade uma coisa independente. Michelangelo, assim como os renascentistas, sofreram de uma cegueira temporária para a beleza e verdade da arte medieval.
O quadro A Anunciação de Van Eyck também representa o que há de melhor na pintura ocidental. Trata-se para Huizinga da mais refinada das suas obras. Notamos o esplendor das cores vibrantes das figuras do anjo Gabriel e da Virgem Maria. em seu quadro não há perda de unidade, do tom nem da emoção. Há também uma análise da iluminura do calendário de fevereiro dos irmãos Limbourg, na obra Les trés riches heuers, onde os camponeses se aquecem no mês de inverno diante de uma lareira. Huizinga nota a diferença entre a pintura e a poesia no fim da idade média e diz que a poesia do século XV é melhor quando não tenta expressar ideias importantes e está liberada da missão de o fazer de forma bela.
Van Eyck não representa a renascença e é um erro confundir realismo e renascença. O triunfo da renascença foi em substituir o realismo meticuloso da idade media por simplicidade.
A França do século XV não nos permite esquecer da idade média, pois foi a mãe de tudo o que há de melhor nessa época: o feudalismo, os ideais de cavalaria e cortesia, a filosofia escolástica e a arquitetura gótica. Mas Huizinga nota que a maré está mudando e o tom da vida está para mudar.
Essa edição brasileira é muito bonita e bem feita. As inúmeras ilustrações são de alta qualidade, destaque para a maravilhosa cena de banho de Van Eyck, hoje perdida. O livro mais parece uma obra de literatura do que de história. Há um inegável clima de nostalgia presente na obra. Altamente recomendado!