Quem já leu a Montanha Mágica de Thomas Mann não ficará surpreso ou angustiado pelo estilo cuidadoso e lento com que ele desenvolve a estória. Posso garantir que quem tiver paciência para aguardar o final do livro não ficará decepcionado. No começo do livro até a sua metade, parece que Mann está mais preocupado com aspectos teóricos da música clássica europeia. Um bom conhecimento musical far-se-á necessário a quem quiser compreender mais profundamente essa obra. O que mais despertou-me a atenção para esse novo mito fáustico de Mann é o fato dele ter sido abordado pela literatura brasileira alguns anos mais tarde, porém com resultado diverso. Refiro-me a João Guimarães Rosa e ao seu Grande Sertão: Veredas, de 1956. Mann conta a vida de um estudante de teologia( Adrian Leverkühn) pela voz de seu amigo estudante de filosofia (Serenus Zeitblom). O jovem teólogo tem talento para a matemática e para a música. Resolve, então, dedicar-se à música. No meio da estória, Mann introduz o personagem do Demônio, que trava com Adrian um diálogo em que o pacto aparentemente não foi estabelecido. Ao longo do livro, a história da Alemanha desde o período anterior à primeira guerra, até a derrota em 1945 vai sendo contada junto com a ascensão de Adrian. Uma crítica pode ser feita a Thomas Mann por introduzir no livro uma imensidão de personagens muitos dos quais não têm maior importância para o desenrolar da estória. Da mesma forma que na obra A Montanha Mágica, Adrian e o narrador ( Zeitblom) representam aspectos da mentalidade alemã que demonstram essa ambivalência entre a cultura humanística e o apelo ao pacto fáustico. No final do livro é-nos revelado que Adrian, de fato, fez o pacto demoníaco. É claro que isso é apenas uma metáfora para o verdadeiro pacto diabólico que a Alemanha fez com Hitler. Adrian conclui sua carreira na música com a obra intitulada Doutor Fausto. Depois disso, enlouquece. Mann faz a mesma pergunta à Alemanha: após os primeiros triunfos na segunda guerra contra a França e a União Soviética, qual será o preço a ser pago pela nação? O que restará do espírito alemão, já que da alma de Adrian nada restou? Como eu mencionei no começo da resenha, existe uma semelhança entre Mann e Rosa, mas a inteligência e a grandeza de alma dos dois chegaram a resultados diferentes. Mann reconhecia o pacto e o perigo que a Alemanha corria. Rosa, que era um gnóstico, negou o pacto e impediu a literatura brasileira de ter um mito como o germânico que nos alertasse para diversos perigos que a alma brasileira enfrentaria. O sentido do diabólico foi captado pelo gênio da litaratura alemã, enquanto no Brasil o Diabo foi visto por Rosa como sendo um ente não real. Sem reconhecermos o perigo dos abismos do Maligno e da sedução para o Mal, como uma nação poderá fazer uma reflexão sobre as ameaças que as afligem? Essa é uma das diferenças que separam a literatura e a nação brasileira de países mais experimentados e prudentes como os da Europa.