O fundamento da moral foi a primeira obra que eu li de Schopenhauer e, desde então, esse filósofo alemão tornou-se uma das minhas referências na filosofia. Partindo de uma crítica à filosofia moral de Kant, Schopenhauer demonstra como esse cometeu uma espécie de “monstruosidade filosófica” ao identificar o ato de caridade e de amor ao próximo com o agir racionalmente. Nunca antes de Kant, diz Schopenhauer, isso havia sequer sido imaginado. O que esse livro maravilhoso e muito humano tenta estabelecer é um tipo de moralidade que não dependa da Bíblia e nem de Deus, uma vez que o comando da ética Kantiana “tu deves” só tem valor e poder partindo de uma ordem divina. Outro tipo de moral completamente rejeitada por Schopenhauer é aquela que parte do Estado ( desejo de Hegel e de todo esquerdista), pois conceder a essa instituição o poder de tirar dos homens a liberdade individual é, no fundo, pavimentar o caminho para uma nova inquisição, guerras religiosas e outros tipos de perseguição ( a história dos século XX provou esse fato). Rejeitada a moral vinda de uma ética religiosa, de um comando do tipo “tu deves” e a moral estatal, Schopenhauer propõe uma ética baseada na compaixão por todos os seres vivos. Segundo ele, essa é a única maneira de evitarmos o egoísmo no momento de ajudar ao próximo, porque já não pensamos que ao fazer isso estamos agindo racionalmente ou evitando futuras penas do inferno. O filósofo cita essa passagem de Calderon para provar o que prega:
“que entre el ver
Padecer y el padecer
Ninguna distancia habia.”
As dores do próximo fazem você se identificar com o sofrimento alheio, e com isso o sentimento de compaixão é despertado. O mais surpreendente na ética de Schopenhauer é a sua preocupação com os animais. Não que isso seja totalmente novo, pois as civilizações asiáticas não estabeleciam uma grande separação entre os homens e os outros seres vivos. Na Grécia antiga a escola de Pitágoras via os animais com muito respeito. No ocidente isso foi perdido, de acordo com Schopenhauer, por causa da influência judaica no Cristianismo. Essa opinião de que os animais não possuem alma e que estão nesse mundo exclusivamente para servir ao homem pode ser vista, infelizmente, nas obras de São Tomás de Aquino. A filosofia moderna vai repetir esse pensamento com Descartes. Na prática o tratamento dado aos animais no Cristianismo sempre foi superior ao judaísmo, no entanto a igreja continua negando que os animais possuam alma, o que é algo incompreensível pela simples observação do quanto muitos animais podem agir com bondade. Na filosofia de Schopenhauer os homens e os animais são vistos como uma manifestação de Vontade. Esses últimos são nossos companheiros de sofrimento nesse mundo, e o agir com compaixão em relação às mazelas dessa vida vale tanto para a ajuda aos homens como para os animais. A ética de Schopenhauer é baseada no testemunho dos antigos gregos e Hindus; não é bíblica e nem depende de Deus. Como Schopenhauer é o maior dos escritores em filosofia ao lado de Platão, seus livros não necessitam da explicação de professores universitários para serem entendidos. Não partindo nem de Deus nem da razão, o pensamento de Schopenhauer estava destinado a ser condenado tanto pelas universidades quanto pelos religiosos. O reconhecimento do valor de sua filosofia veio pelas artes, pela literatura e, especialmente, pela psicologia.