A Ciência Nova é um livro fantástico e otimista, no entanto é muito difícil de ler sem ter um grande conhecimento sobre filosofia, história e os mitos da Antiguidade. Resenhas sobre esse livro são poucas, portanto, creio que eu tenha uma relativa responsabilidade ao anunciar aos leitores desse artigo minhas impressões sobre o que li, e fazer ao mesmo tempo um breve resumo dessa obra.
Vico começa nos advertindo que devemos proceder ao olhar para a escuridão dos primeiros tempos como se não houvessem livros. Ele demonstra que todas as nações e civilizações, mesmo as mais bárbaras, possuem uma religião, sepultam seus mortos e celebram casamentos, todos esses ritos sendo encenados de forma solene. Partindo desses fatos, Vico pretende encontrar em todo o mundo “princípios universais e eternos”que “possibilitem o estudo de todas as nações que se conservam”. O homem, para Vico, é livre e sua vontade também é livre, e acrescente-se a isso o fato de que Deus espalhou Sua luz sobre os homens desde o início dos tempos. O objetivo declarado do autor é fazer dessa Ciência uma teologia civil refletida da providência divina. Pelo que podemos inferir dessa Ciência Nova de Vico, pelo menos no princípio, é que ele vê refletida na história dos povos a manifestação da bondade de Deus, de maneira que ao estudarmos as origens das línguas e das religiões dos povos possamos ter uma noção da HISTÓRIA IDEAL ETERNA ( expressão de Vico).
Vico crê que todas as nações tiveram um início fabuloso, e que seus primeiros sábios foram os poetas-teólogos. Esses criaram a sabedoria pela Musa, que é definida por Homero como a “ciência do bem e do mal”. Essa sabedoria era expressada em poemas. Como Vico afirma, a inspiração desses primeiros poetas-teólogos veio da contemplação das ideias divinas feitas com os olhos do corpo. Isso confirma a afirmação de Aristóteles no De Anima que ” a mente humana não compreende coisa alguma que não tenha passado pelos sentidos”. Mais adiante no livro, Vico propõe sua tese sobre a origem das línguas, a primeira inventada pelos Egípcios, e que era dividida em três fases: a dos deuses, a dos heróis e, por última, a dos homens. A primeira escrita tinha que ser feita naturalmente por hieróglifos, segundo o autor. Os hieróglifos (escrita sagrada dos egípcios) foram estabelecidos no Egito e também acabaram sendo adotados mais tarde pelos gregos e latinos. O segundo falar foi a língua dos heróis, que era feita por símbolos. O terceiro falar é a língua dos homens, que espalhou-se por todos os cantos da Terra através da língua vulgar. Vico, citando Clemente de Alexandria, atribui a língua alfabética aos fenícios, sendo que esses últimos as ensinaram aos gregos.Os caracteres e as letras nasceram pela contemplação do céu, que todos os povos associavam ao divino, explica Vico.
A Política
Vico escreve um capítulo em que afirma que Deus é a força ordenadora das repúblicas e do direito natural dos povos. A religião é, para ele, a base das repúblicas. Os deuses ensinaram aos primeiros homens como estabelecer uma cidade. Primeiro estabelecendo uma religião; em segundo escolheram os locais onde existiam montes e brotava água em abundância; em terceiro fizeram os homens unirem-se às mulheres para formarem famílias, que para Vico são os seminários das repúblicas. Após esses fatos,os homens criaram leis- e a primeira delas foi a lei agrária. Uns comandariam ( os heróis) e os outros ( a plebe) obedeceria. Segue-se a isso o nascimento da ciência política. As primeiras repúblicas seriam aristocráticas e teriam suas fronteiras fechadas, impedindo que o homem que nascesse dentro dela se acostumasse novamente à vida bestial, segundo Vico. Os três governos são os Teocráticos, ou dos deuses; o segundo o aristocrático, ou dos heróis, e o terceiro foi o governo humano.
Alguns capítulos mais adiante, Vico dedica-se a estudar Homero, o primeiro dos escritores. Considero esse um dos melhores capítulos do livro. O filósofo italiano é a grande inspiração do também maravilhoso filósofo alemão Eric Voegelin. Quem já leu esse último não irá se surpreender muito com Vico. A Ciência Nova é um livro extremamente ambicioso. Ele começa com uma explicação para a origem das línguas e da religião, passa pelo estabelecimento das primeiras teologias escritas pelos poetas. Vico prossegue com uma teoria sobre o estabelecimento dos primeiros governos sob inspiração dos deuses e dos heróis. Os homens estabelecem a lei agrária, os primeiros feudos e as propriedades. Vico fala muito sobre a importância do direito romano e suas origens na Lei das XII Tábuas. Poesia, história e mito formam esse livro de fundamental importância para todo o homem que pretenda ser culto. Como eu disse no início, o livro é otimista, pois Vico sempre vê nas origens das nações e de suas mitologias uma prova da ação de Deus. Os deuses nos dão as línguas e os caracteres, como Hermes Trismegisto. Depois da contemplação de Deus através da observação do céu, os poetas nos descrevem uma teogonia e uma teologia. Não bastasse isso tudo, os deuses ainda nos oferecem sua ajuda quando nos dão o fogo ( Prometeu) e nos ensinam como fundar uma civilização. Os deuses então estabelecem que uma verdadeira civilização está baseada na religião, na família ( casamento) e na lei, que no início da civilização é sempre a agrária. Vico dá grande importância à poesia. Se Homero é o grande fundador da civilização grega e ocidental,depois que esses mesmos gregos experimentaram um período de barbárie anterior, Dante é o fundador da nova civilização ocidental, passados quase um milênio do período que Vico chama de “barbárie regressada”( Idade Média). Vico demonstra que mesmo nos períodos da barbárie, a providência divina nunca nos abandona. Recomendo a todos esse livro.