Eros e Psique 2

Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma está ligada.

Mas esta linda e pura semidéia,
que, como um acidente em seu sujeito,
assim como a alma minha se conforma,

está no pensamento como idéia:
[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.

Esse é o poema mais belo de Camões e nele existe filosofia pura. “Transforma-se o amador na cousa amada” pode ser reflexo de uma opinião de pseudo-Dionísio, que foi um filósofo neoplatônico que afirmou que o amor é uma força unitiva e consistente, e que São Tomás esclareceu que isso quer dizer que existem duas formas de união entre o amador e o amado: a primeira é a união real, e a segunda é a união intelectual e a inclinação que a pessoa tem em relação à outra, de maneira que ela passa a participar da pessoa amada de alguma forma. Como participa da pessoa amada, o amante só pode ter nele a parte desejada.

 

Não necessitando do amor dos corpos, pois já existe uma ligação das almas, o amante contempla a “semideia” . “Como um acidente em seu sujeito” pode ser referente a afirmação de São Tomás, inspirado por Aristóteles, que “o sujeito está para o acidente como a potência para o ato; pois, em relação ao acidente, o sujeito é, de certo modo, atual”.

 

A amada está em seu pensamento como uma Ideia platônica que busca a forma Aristotélica no mundo da physis. O poema é uma batalha entre as duas escolas, a platônica e a aristotélica, que reflete o mundo da filosofia no Renascimento. O mundo das ideias de Platão misturado com a matéria e forma de Aristóteles fazem desse poema uma das obras-primas da poesia de todos os países em todos os tempos.

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