Demorei para conhecer a obra de Aquilino Ribeiro, e agora que a conheço posso dizer que nunca li um escritor de língua portuguesa com um vocabulário mais rico do que ele. Não há na literatura brasileira algo que se compare à variedade de palavras que florescem em meio às frases e orações de Andam Faunos pelos Bosques.
A história do livro se passa no interior de Portugal e tem um toque mágico. Em uma vila, diversas moças adolescentes e jovens estão sendo atacadas por um misterioso ser que apenas as derrubam e depois sai correndo. Nenhuma delas sabe descrever exatamente quem as atacou, apenas dizem que era um ser com muitos pelos. Com esse fato simples, Aquilino Ribeiro passa a descrever a fé, o clero e o povo mais humilde de Portugal.
O clero em grande parte tem uma vida sexual ativa, com filhos e com um olhar lascivo para com as jovens da paróquia. Não é um clero corrupto, porém é um clero que todos os portugueses, principalmente do interior, conheciam. Aquilino não está atacando os padres, apenas coloca no papel a realidade que ele mesmo pode ter presenciado. Muitos desses padres se juntam e passam a discutir que tipo de homem, animal-ou seria o Diabo? – têm atacado às jovens daquela região. Aquilino Ribeiro estudou filosofia e entrou para o seminário , porém o abandonou por não ter vocação, mas soube reter em sua mente os costumes e a mentalidade do clero, e os reproduz nesse romance.
Vários outros personagens marcantes passam pela história, o mais interessante deles o louco Baltasar e a mãe de Maria da Encarnação, que é paralítica, no entanto conserva muita fé. A passagem que narra um pouco da vida dela e de suas crenças é uma das melhores do livro.
É organizada uma espécie de cruzada para tentar achar o culpado, mas no fim ela se revela inútil. O problema deverá ser resolvido por um tipo de concílio que tem lugar na paróquia. Vários padres falam, entre eles o padre Januário, que era o mais culto de todos. Ele sustenta que a região está sendo vítima das ações dos faunos, personagens da mitologia. Aqui vai uma passagem da exposição de Januário:
– Quanto à existência dos faunos, meus ilustres colegas, não há contestação que valha. Os mais reputados escritores da antiguidade não só falam deles a cada passo, como os retratam e classificam. Encontramo-los descritos em Plutarco, Pompónio Mela, Eusébio, Tixier de Ravisi, Robertelo, Aldrovando, além de autores atrás enunciados. Nunca a fábula poderia aliciar um tal peso de testemunhos, contando-se, para mais, a abonar a identidade desse animal lascivo e cornúpeto, os grandes luminares da Igreja, Santo Agostinho e S. Jerônimo, qual deles mais sagaz e amante da verdade. Conta este santo doutor no livro Vitae Patrum que, indo Santo Antão visitar S.Paulo eremita, encontrou no deserto uma figura de venta achatada, cornos na testa, pés de cabra, no mais, semelhante az homem. Fez o servo de Deus o sinal da cruz, mas, para ser demônio, não se desvaneceu em fumo ou cheiro de enxofre o estranho vivente. Perguntou-lhe então quem era, ao que o outro, oferecendo-lhe tâmaras, respondeu: Sou Mortal, um dos habitantes do ermo e chama-nos a gentilidade, em seu error, faunos, sátiros e ainda silvanos. E Santo Antão seguiu seu caminho, perturbado, doído da condição e ruins manhas daquele seu irmão anacoreta. Por isso Santo Agostinho exclamava mais tarde: averigue-se se são gente e suscetíveis de ser baptizados.”
Outro padre faz uma defesa, não sem suportar os comentários irônicos dos colegas, da intervenção do demônio. Depois de muito se debater, o padre Moura Seco dá a solução para o caso, mas isso eu não vou revelar. O romance demonstra como a nossa língua, que Portugal nos deixou de legado, é linda e cheia de possibilidades. Aquilino Ribeiro nos revela toda uma psicologia de um Portugal rural com uma linguagem muito difícil para nós do Brasil, porém desafiadora e que nos aumenta muito o vocabulário. Vou ler outros romances e contos dele que, sem dúvida, é um dos maiores romancistas da nossa língua.