O historiador conservador norte-americano de origem húngara, John Lukacs, queria expor sua profunda convicção que os Estados Unidos caminham para uma sociedade dominada pela inflação, tanto do dinheiro como de palavras e publicidade, pela burocracia, pelo automóvel e o conservadorismo. Para quem já leu a obra de Tocqueville, A democracia na América, a compreensão do livro se torna mais fácil-até porque Lukacs começa seu livro pelo próprio Tocqueville. De uma nação que estava isolada e não tinha objetivos imperialistas, que acreditava nos ideais da democracia, de um ensino de qualidade para as crianças , de um funcionalismo público que não procurava privilégios e que era respeitado pela população, e era uma das nações com a maior taxa de casamentos e natalidade do mundo, os Estados Unidos sofreram uma profunda transformação no século XX em relação ao tempo em que Tocqueville escreveu sua magistral obra.
Lukacs descreve em algumas poucas linhas os governos de sucessivos presidentes americanos como Theodore Roosevelt, Woodrow Wilson ( esse muito admirado pelo autor, que considera o seu período na presidência como o auge da civilização e do poder norte-americano), F. D. Roosevelt, Truman, Eisenhower, Kennedy, Johnson e Nixon. Dedica um capítulo sobre a motorização dos EUA, com o exagerado ( mas compartilhado mais tarde por outros países, inclusive o Brasil) apego dos norte-americanos ao automóvel, e outro sobra a imigração em massa para os EUA, começando no século XIX com os irlandeses, escoceses e alemães, até a recente onda de imigrantes vindos da Ásia e, especialmente da América Latina. Lukacs reconhece a contribuição de todos esses imigrantes para a cultura e poderio dos Estados Unidos, desde valiosos conhecimentos militares que os estrangeiros trouxeram, até a inovações na culinária e no cinema daquele país.
Os Estados Unidos conseguiram manter durante um século, pelo menos até o final da segunda guerra mundial, o melhor da civilização burguesa em seu território. O culto à família, com extraordinárias taxas de casamento e de natalidade; a valorização da educação, da liberdade de imprensa e o combate à censura predominavam na civilização burguesa americana. Lukacs acredita que a família foi gradualmente destruída por causa da crescente propaganda da pornografia e pelo desejo ( justificado) das mulheres trabalharem fora de casa. Na questão da educação, o mesmo argumento serve para o Brasil: houve uma queda generalizada na qualidade das escolas e universidades, com uma massiva imbecilização da juventude e da população em geral.
O que Lukacs quer demonstrar nesse livro, além da burocratização da vida pública, é como o conservadorismo e o liberalismo ( a esquerda americana) se uniram a um apaixonado nacionalismo belicista, pouco importando quem estivesse na presidência, de maneira que o orçamento militar, as intervenções em conflitos estrangeiros e o apoio incondicional dado a Israel, pouco mudava com a alternância de poderes. O autor desconfia do que está por trás do apoio americano à causa israelense, mas parece ter medo de avançar no assunto; outro ponto que posso destacar nesse livro escrito em momentos diferentes ( a maior parte dele foi escrita em 1983, quando havia uma onda inflacionária nos EUA; a outra parte foi escrita em 2003) são os erros de previsão do autor, como por exemplo a sua opinião de que a inflação continuaria sendo uma grande ameaça à economia das próximas décadas ( o que não aconteceu), e seu palpite feito quando escreveu parte do livro em 2003 de que o conservadorismo e o partido republicano seriam as forças dominantes nas eleições seguintes ( a vitória de Obama em 2008 desmentiu essa tese). O que aconteceu foi que esse “conservadorismo” nacionalista da era Bush foi visto ( e creio que continuará sendo) como algo repulsivo por todo o planeta. É um erro acreditar que conservadorismo combina com nacionalismo e belicismo. A obsessão com coisas nacionais e com a militarização da sociedade é típica do pensamento de esquerda. Isso não é mencionado no livro, mas vale nos lembrarmos sempre disso.