A filosofia de Rousseau pode ser definida assim:
Rousseau era antes de tudo um filósofo especulativo, que criou um sistema contraditório, e tentou ser uma perversão do dogma católico do pecado original. Para ele, o homem nasce naturalmente bom, no mesmo estado de graça do casal original da Bíblia, mas se a Bíblia afirma que a curiosidade do homem em provar do fruto da árvore do bem e do mal foi a causa da sua queda, Rousseau atribui a tendência do homem para o mal à vida em sociedade. Rousseau não apresenta provas da sua tese, e suas teorias perigosas começam aí.
Rousseau identifica o mal com a necessidade que o homem tem de criar novas necessidades, que são fontes de outras privações; com a desigualdade, que é fruto da propriedade privada; e com a escravatura, mesmo no sentido do rei absoluto.
Rousseau inverte a filosofia Tomista que havia declarado que a natureza humana é boa no sentido metafísico, mas não no sentido histórico. O homem para São Tomás não é bom no seu começo. Rousseau confunde natureza metafísica com o sentido histórico, dizendo que o homem é bom em sua origem histórica, e que a pureza foi concedida a ele por Deus, sendo necessária a sua volta.
Na teologia católica, o homem nasce livre em sua razão, mas sua ação fica limitada pela vida em sociedade; já em Rousseau, a liberdade é um ato puro e perfeição pura de humanidade. Na filosofia católica, os homens em sua natureza individual não são iguais de maneira alguma. A cada um Deus concedeu dons variados de inteligência e na ordem da Graça. Quanto à justiça, os homens são iguais perante à lei, mas a cada um cabe um tipo de pena adequado à seu crime, nesse ponto a justiça deve ser desigual. Na filosofia de Rousseau, a igualdade deve ser imposta pelo Estado de uma maneira absoluta para compensar as desigualdades sociais.
A Política e o Estado em Rousseau
Aqui entra suas ideias de contrato social e da Vontade Geral. O homem é livre, e é proibido renunciar a essa liberdade. Mas Rousseau prega que a família e as corporações são um crime, dessa forma só existe o indivíduo. A Vontade Geral é aquela que propõe o bem comum, e faz surgir um novo ser que é muito bom: o deus-Estado.
Como a Direita e a Esquerda herdaram às ideias de Rousseau
O surgimento do deus-estado é fruto do pensamento da maioria, sendo que essa maioria nas assembleias manifesta a Vontade Geral; cabe, portanto à minoria reconhecer que errou e deve se submeter à maioria. O indivíduo quando reconhece que é a minoria e errou, sacrifica sua liberdade individual, dessa forma todo o interesse individual desaparece, e consequentemente todas as desigualdades sociais. Mesmo com o estatismo, a liberdade, para Rousseau, permanece inalterada.
Como notou Bertrand Russell, Hitler é fruto de Rousseau. Stalin também, mesmo que o filósofo inglês não tenha dito isso.O povo é bom, mas precisa de um líder que o esclareça. A vontade geral é a única fonte da lei, do bem e do mal, do certo e do errado. Se a maioria, por exemplo, declarar que algo é bom é bom, e não um crime, isso é lei, e para Rousseau, os que são contrários a essa decisão devem ser separados da sociedade, e em último caso, até mortos.
Quem governará a cidade? Será o guia, responde Rousseau, que deverá ser um super-homem, que irá transcender a natureza humana para aperfeiçoá-la.
Esse resumo da filosofia de Rousseau pode ser aplicado tanto a alguns esquerdistas, como alguns direitistas da nossa época. Eles não toleram a existência de uma oposição; todos devem se submeter à sua vontade, inclusive a assembleia e o judiciário. Existe a necessidade do guia que conduza o povo, e esse deve ter características messiânicas. Daí esse culto irracional que existiu como continua a existir a tantos líderes do mundo moderno.
O pensamento político de Rousseau é fruto de sua visão otimista da natureza humana. Rousseau acreditava sinceramente e de uma maneira um tanto ingênua na bondade natural do ser humano. Seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os Homens busca demonstrar os o que a humanidade perdeu desde o aparecimento da sociedade e da propriedade privada. Antes do surgimento das cidades e das leis, o homem tinha toda a natureza diante de si e todos possuiam mais do que o necessário para sobreviverem. Nós pouco nos diferenciávamos dos animais e o que possuíamos de mais imediato era o nosso corpo. Era sim um reino da brutalidade, mas Rousseau reconhece que nunca faltou ao ser humano o amor para amenizar muitos dos problemas que sempre enfrentamos. Por mais que ele estabeleça que a desigualdade foi entrando gradativamente na mente da humanidade, mesmo que tenha tido origem no amor entre os familiares, com a mulher ficando cada vez mais com os filhos e o homem saindo para caçar, além de que alguns homens se destacavam pela força e coragem, Rousseau não consegue explicar em termos metafísicos o porquê a desigualdade existe em si mesma. Ele pode mencionar que alguns se destacaram por mérito, mas o mérito em si pressupõe uma desigualdade; além disto, o mérito também implica muitas vezes que as pessoas partiram não necessariamente de um ponto de uma justa igualdade. Se há no universo uma possibilidade de desigualdade entre os seres, então caberia ao filósofo partir dessa consideração, para depois descer ao nível da vida em sociedade.
Há uma passagem famosa em seu Discurso no qual ele menciona a origem da propriedade privada. No momento em que muitas pessoas foram suficientemente tolas para acreditar em uma única pessoa que declara solenemente que, a partir daquele momento, um determinado pedaço de terra é propriedade única dele, então a sociedade começa a experimentar a ameaça mais grave. Entretanto, a existência da propriedade privada vai ter origem necessariamente na desigualdade de forças anterior. Se existem homens com mérito e mais força, tanto física como de vontade, então é justo que um deles decida melhorar determinado terreno para benefício dele e dos seus. A desigualdade é muito necessária mesmo àquelas sociedades primitivas, pois ninguém seria tolo o suficiente para confiar as leis aos jovens ignorando ou os igualando aos mais velhos. Mesmo sociedade primitivas funcionam assim. A Antiguidade conferia enorme importância aos anciãos, veja-se o exemplo de Israel; somente a Idade Média parece ter sido uma era no qual os idosos pouco influenciaram, talvez por causa da baixa expectativa de vida.
Rousseau escreve sobre a importância das paixões, mas aqui a desigualdade aparece de forma clara. Alguns homens e mulheres amam mais do que outros; têm mais força de vontade e mais paixão; sem explicar o porquê disso, nada fica muito esclarecido. Certamente há algo anterior a nós que justifique as diferenças presentes no universo. Rousseau poderia ter enfatizado a vontade presente nos homens para entender sua inquietação mesmo com as supostas vantagens que existiam nos tempos primitivos. Nunca a humanidade está satisfeita nem nunca estará. Parece que um sentimento romântico domina aqui a mente de nosso filósofo. Teríamos que entender se realmente os povos primitivos estavam satisfeitos com sua existência, porque isso nos parece irreal, haja visto que mesmo atualmente, com tanto conforto e tecnologia, nenhum de nós poderia dizer que alcançamos nosso ápice como civilização.
O amor do qual ele menciona também requer uma desigualdade para surgir. Homens e mulheres não amam igualmente seus filhos; a mulher, em situações normais, é sempre mais apegada à criança do que o homem. Tendemos a amar mais nossas mães do que nossos pais, e ninguém diria que isso é ruim. Se ele percebe que os animais têm muito em comum com os seres humanos, por que não vê que no reino animal também existem diferenças. Mesmo entre membros da mesma espécie alguns são mais fortes e destacados. Podem não criar clãs ou famílias que busquem a dominação total, mas na humanidade toda vez que há algum movimento deste tipo, entra em cena um tipo de dialética que barra o avanço indefinido de uma determinada força. Surge uma nova sociedade, mas os elementos tendem a ajustar-se.
Esta desigualdade e as diferentes necessidades e motivações da humanidade fizeram surgir o governo e a necessidade de um Contrato Social. As pessoas passam então a abdicar de certos direitos individuais e o transferem para uma sociedade. Na filosofia de Rousseau é dada muita importância à vontade geral, à qual o indivíduo isolado tem de submeter-se. Trata-se de uma ideia no mínimo complicada. Por mais que queiramos uma massa de cidadãos conscientes, para que os mesmos consigam deliberar adequadamente, mesmo assim é extremamente difícil, para não dizer utópico, querer que entrem em acordo sobre os temas mais complexos. Não posso imaginar que, se uma vontade geral governasse a sociedade, como ficariam os direitos das minorias? E mesmo que uma corrente de pensamento fosse a dominante, como não vê-la com suspeição caso fosse algo como o Nazismo?
Rousseau viu com bastante clareza os problemas que surgem com a presença da religião. Ele mesmo defende o banimento dos cidadãos que professem determinados dogmas como “fora da Igreja não há salvação”, e isso vai bem contra o liberalismo moderno. As religiões, sem dúvida, causam muita divisão em qualquer sociedade, talvez seja por isso que Rousseau prefira uma religião cívica com um credo mínimo, só que aí entraria a questão daqueles que não creem em nenhuma divindade. Perguntar-se-ia se a vontade geral equivale a uma justiça plena. Mesmo entre governos sem problemas com a religião entra em cena o fortalecimento de determinado poder em relação aos outros. Sempre surgem novas demandas que produzem um excesso de leis, que por sua vez necessitam de mais magistrados, que por sua vez inflam o Estado. O mesmo Estado é desigual para boa parte da população, e nem ao menos nisto há um consenso sobre o papel que cabe ao Estado; nem também sobre o nível de desigualdade aceitável para que o Estado funcione bem. Ele pode muito bem ter feito uma indução inconsciente sobre a situação política da cidade de Genebra para um Estado extenso. Todas as deliberações feitas a partir de um modelo suíço são muito pouco prováveis de serem transferidas a um país de nosso tempo. No século XX, o filósofo John Rawls gerou um pensamento que permite combater as desigualdades injustas ao mesmo tempo mantendo as diferentes organizações e correntes de pensamento da nação; isto por uma busca de um consenso mínimo para a existência contínua de uma democracia sadia. O modelo de Rousseau é muito difícil de ser colocado em prática atualmente.