O comunismo foi ( e ainda é) um sistema, ou filosofia, que atraiu a adesão de milhões de pessoas no século passado. Vários intelectuais do ocidente, inclusive pessoas religiosas, se sentiram identificadas com a Revolução de Outubro de 1917. François Furet busca nesse livro uma reflexão sobre o passado do comunismo, de forma a demonstrar às semelhanças ou diferenças entre a revolução de Lenin e a Revolução Francesa de 1789.
O espírito revolucionário e a crença de que seus atores estavam comandando à história é uma característica comum em ambas as Revoluções. Um grupo de conspiradores burgueses que diziam agir em nome do povo foi o motor dessas Revoluções. Tanto franceses quanto russos queriam acabar com a odiada burguesia, e implantar a igualdade e a fraternidade. A revolução americana que acontece pouco antes da francesa também busca a igualdade, que sempre foi uma paixão para os americanos, mas como demonstra Furet, nos Estados Unidos, a figura do burguês odiado por todos simplesmente não existe. Furet é também um especialista em Revolução Francesa.
O livro apresenta os preparativos para a primeira guerra, que são o fruto da ideia de nacionalismo presente em todo o século XIX, e que demonstra, também, a falência das ideias socialistas que tinham muita força antes da guerra.
O que define esse homem que vive no período do início do século XX é uma mistura de utopia socialista, nacionalismo, um certo pessimismo e o antissemitismo, pois o judeu é visto como a encarnação do burguês.
A fúria nacionalista varreu a Europa na primeira grande guerra, e com isso fez surgir ou apressar duas ideologias que viriam a se odiarem: o fascismo e o comunismo. Esse último já vinha sendo construído pelos revolucionários russos desde 1905, e a guerra só fez foi apressar a queda do czar e abrir o caminho para Lenin; esse se diz o verdadeiro intérprete de Karl Marx, o único que o compreende de verdade, e que estabeleceu o domínio do homem sobre a história, pois essa é a verdadeira filosofia de Marx.
O povo russo tem a missão de abrir o caminho para a inevitável vitória da revolução no Ocidente, a começar pela Alemanha; para isso, é preciso primeiro que Lenin assine um humilhante acordo de paz. Feito isso, é preciso começar a agir para que o comunismo se espalhe pela Rússia, em especial no campo, e esperar pelos acontecimentos na Alemanha. Mas a revolução não vem, já que a liga Espartaquista de Rosa Luxemburgo é logo desfeita, e ela é executada. A Alemanha é governada por reacionários. Lenin tem que agir, pois o avanço no campo é lento e doloroso, e potências europeias e o Japão invadem o território soviético. O comunismo de guerra é estabelecido . Esses dois fatores ( a invasão estrangeira e a ideologia leninista) levam a uma horrenda fome em 1921. O capitalismo é restabelecido pela NEP.
Furet escreve um capítulo destinado à atração que a Revolução de Outubro provocou no Ocidente. O que Lenin e seus companheiros fizeram foi a própria história, que agora é feita pelas ideias e a vontade titânica do homem.
A mentalidade revolucionária que pairava sobre o Ocidente desde 1789 encontrou sua realização no país mais improvável para que ela viesse a acontecer: a Rússia. Isso gerou pânico nos conservadores da Europa, ao mesmo tempo em que a esquerda enxergava nela a grande chance do acerto de contas contra a burguesia e a religião.
Existe um pequeno estudo no livro sobre a reação que a Revolução Russa provocou em três intelectuais da época, dois franceses e um húngaro. São eles: Pierre Pascal, Boris Souvarine e Georg Lukács.
Os dois franceses aderiram à revolução e foram morar na Rússia. De início experimentaram um grande entusiasmo por essa nova sociedade, mas com o tempo, perceberam que a União Soviética era uma grande prisão. A opressão do espírito e a miséria do dia a dia prevaleciam. Denunciaram, cada um ao seu modo, a realidade soviética. Não deixaram de ser totalmente comunistas, mas não viraram propagandistas cegos do regime.
O caso mais grave é o de Georg Lukács. Esse burguês húngaro aderiu ao comunismo por um acaso. Foi para a União Soviética, foi vigiado e perseguido, mas o fanatismo falou mais alto. Até o fim da sua vida defendeu a superioridade do comunismo sobre todas as outras ideologias. A respeito de Lukács, Furet cita Saul Bellow, que definiu o fanatismo nessas palavras: “ tesouros de inteligência podem ser investidos a serviço da ignorância, quando é profunda a necessidade de ilusão.”
Grande parte da argumentação do autor é dedicada ao surgimento do fascismo como sendo uma reação ao comunismo e as ideologias que os uniam, como o ódio à burguesia, o militarismo e a submissão do homem ao poder do líder e do Estado. Várias personalidades do Ocidente são mencionadas como sendo favoráveis a um ou outro sistema, e até mesmo os que fundiram o fascismo com o bolchevismo.
O livro O Passado de uma Ilusão é complexo e exige uma vasta cultura para ser compreendido. São necessários conhecimentos sobre a Revolução Francesa, sobre o Fascismo e o comunismo, e sobre a história francesa da primeira metade do século XX, especialmente na área da cultura e filosofia.