Resenha de Hitler, Volume 2, de Joachim Fest

hitler - joachim fest

Hitler e a Alemanha
Joachim Fest diz que a Alemanha do início do século XX, apesar de seu progresso econômico, convivia com uma atmosfera romântica, onde sobressaíam figuras míticas de deuses antigos. Havia um espírito pessimista romântico e um culto do folclore germanístico. Os sentimentos de hostilidade à civilização foram associados ao nacionalismo, ao darwinismo social e ao racismo. Nietzsche havia declarado que ” a índole dos alemães era hostil à idade das luzes e subsistia uma adoração pelo passado, não dando lugar aos objetivos renovadores futuros. Substituiu-se o culto da razão pelo instinto”.

Fest culpa Richard Wagner por mobilizar a arte para condenar o mundo moderno. O resultado era o pessimismo a respeito do futuro, a angústia relativa à raça, o ideal antimaterialista, o temor diante de uma era de liberdade e igualitarismo, com o pressentimento de um declínio próximo.
Uma característica do fascismo é o culto dos sonhos mortos dos seus antepassados e o gosto pelo folclore. Na Alemanha os resultados foram o culto das danças populares, a festa do solstício de verão e a exaltação das mães de família de prole numerosa. Fest cita Thomas Mann que referiu-se a isso como “uma explosão arcaica”.Ao contrário do que pensavam os reacionários, Hitler não pensava de forma alguma ressuscitar os velhos tempos. O que ele pretendia era um reavivamento do instinto. Será que podemos ver aí uma influência de Nietzsche? O que o fascismo tinha de superior ao comunismo era que ele compartilhava as angústias da civilização e conferia um certo encantamento à vida cotidiana. O fascismo era uma rebelião a favor da ordem. Mussolini falava com desprezo da “deusa liberdade”. Podemos perceber essa mentalidade hoje em dia em que muitos no Brasil desejam sacrificar a liberdade a favor de um governo forte e autoritário, que promova uma suposta “ordem”.

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Hitler colocou no Mein Kampf o seu nacionalismo, seu anticapitalismo, seu culto à tradição, seu desejo de expansão, seu antimarxismo e seu antissemitismo. Hugh Trevor-Roper em uma descrição impressionante fala sobre Hitler:” faz lembrar uma antiga estátua bárbara erguida em meio a detritos de todos os dejetos intelectuais dos séculos passados”.

Hitler compartilhava com a direita católica o pavor da revolução de esquerda latente desde 1789 e soube compartilhar essa angústia com o povo. Sua mentalidade tendia a ter predileção pelas eras glaciais. Seu amigo Kubizek já havia notado a tendência de Hitler de “passar por cima de milênios com a maior calma”.Sua obsessão em combater os judeus era porque se considerava “a outra força” escolhida para salvar o universo ” e repelir o mal para os domínios de Lúcifer”. Ele disse de maneira blasfema: ” defendendo-me contra o judeu, luto pela obra do senhor”. Acreditava que a mistura racial e a contaminação do sangue eram os responsáveis pela decadência dos povos. Podemos ver o ódio de Hitler à União Soviética que ele associava ao judaísmo, e assim entendemos a simpatia despertadas entre tantos do clero católico e do protestante.

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Fest reconhece que houve no nacional socialismo traços propriamente alemães, mas eles são de uma natureza mais distinta e complexa do que se possa imaginar. A consciência alemã não conseguia aliar-se às tendências democráticas. Mas o antissemistismo não era um fenômeno tipicamente alemão. Enquanto Maurras e a direita católica na França invocavam “a glória da deusa França”, Hitler imaginava um império que iria até os Urais e que ele aniquilaria as raças que se opusessem a ele.

A Alemanha sentia pavor de uma revolução e havia um culto da ordem e do estado como um “para-raios” do mal, daí surgirá a fé no Fuhrer. Os alemães sentiam necessidade de proteção. Fest acredita que a falta de cultura política e as ideologias de tendência mitológica de Wagner são a chave para se compreender a chegada de Hitler ao poder.Wagner escreveu:” um político é repugnante”. Thomas Mann tinha ele mesmo um caráter romântico, afastado da realidade e sentia uma nostalgia por uma política apolítica.

Surge então uma das características do nazismo: a ideia de redenção pela arte. Apesar de eu gostar de Schopenhauer, seu caráter apolítico me incomoda. Fest o critica por tentar fazer da música uma solução para as tragédias da vida. Richard Wagner tentou fazer do teatro ” o fim da política e o começo da humanidade”. Para ele a política deve se tornar um grande espetáculo, o estado uma obra de arte e o artista deve tomar lugar do homem de estado. Walter Benjamin chamou o fascismo de “estetização da política”. Para Hitler nada havia fora da arte.

Fest conseguiu nesse livro explicar como o fenômeno do nazismo pôde acontecer na Alemanha. Angústia pela revolução, culto da arte e da mitologia, desprezo pela política e racismo diferenciavam a Alemanha de outros países.

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