Para quem gosta de política
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso relembra no início do livro o começo de sua vida política, passando pelos últimos anos do governo militar, as greves do ABC e pela sua fracassada disputa pela prefeitura de São Paulo . A elaboração da constituinte de 88 também é discutida, assim como a formação do PSDB. Mas o grande destaque do livro do ex-presidente é mesmo o plano real, um fator que mudaria o país.
No governo Itamar, vários ministros da fazenda já haviam sido demitidos, até que o presidente convocou para o cargo o ex-senador e ministro Fernando Henrique Cardoso. Ele logo chamou para apoiá-lo os economistas da PUC-Rio, tendo como objetivo acabar com a inflação.
Foi uma luta árdua. O Brasil estava fora do mercado desde a moratória em 1987, e o futuro ministro da fazenda de FHC, Pedro Malan renegociava a dívida. No Brasil , os desafios eram imensos. Não se sabia o quanto os estados deviam à união; o orçamento público era uma peça de ficção e as estatais eram deficitárias. O Brasil ainda era um país extremamente estatizado.
A inflação gerava lucros para os bancos e os grandes empresários, mas a população pobre e de classe média sofria. O plano real acabaria sendo um sucesso. FHC continua suas memórias falando como se mudou para Brasília, a importância que ele dava à imprensa e o início de formação de seu governo, quando ele precisava escolher nomes para os diversos cargos e ministérios de seu governo. Ele menciona a importância de se costurar alianças, especialmente com o antigo PFL e com o PMDB. É inegável o talento do ex-presidente nessa arte da negociação política.
FHC escreve sobre o projeto de reeleição, que tinha grande apoio popular, e sobre a suposta compra de votos por parte de seu governo para a aprovação do projeto. Nada foi provado, mas nesse episódio fica claro como o PT de então reagia com histeria às denúncias de corrupção no governo por parte da imprensa, essa mesma imprensa que hoje alguns petistas chamam de PIG. Ou seja, contra FHC as denúncias da Veja, da Folha e do Globo valiam, mas contra o PT não valem. FHC teve que enfrentar diversas denúncias de corrupção no seu governo, mas nunca atacou a liberdade de imprensa. Teve que agir rápido quando o senador Antônio Carlos Magalhães abusou de sua confiança.
Creio que o grande motivo de desgaste do governo Fernando Henrique foi a sua insistência na âncora cambial. Isso iria gerar grandes déficits em conta corrente e na balança comercial ao longo de seu primeiro mandato. Mas, pensando bem, o que FHC poderia fazer? Naqueles anos de 1995, 1996 e 1997 o investimento e o consumo explodiram ( devemos lembrar que as vendas de automóveis de 97 só foram superadas quase 10 anos depois), assim como o poder de compra dos trabalhadores. Milhares de pessoas saíram da miséria causada pela inflação e foram lançadas ao mercado de consumo.
Havia no governo o debate entre José Serra e Gustavo Franco a respeito do câmbio. Serra a favor de uma desvalorização cambial e Gustavo Franco defendendo a âncora cambial. Esse debate teria fim em janeiro de 1999 quando o real passou a flutuar. O grande azar de FHC e do Brasil seria que naquela época ainda não havia a China e nem um aumento expressivo do valor das commodities para socorrer nosso país como aconteceu no governo Lula.
O governo FHC teve a seu favor a modernização do estado, a implantação de programas sociais e ,principalmente, uma ampla discussão sobre a importância da educação. Seu governo universalizou a educação básica, criou o provão e o Enem, e fez milhares de pessoas voltarem aos bancos escolares. Creio que o saldo de seu governo, apesar do racionamento de energia e do erro na questão cambial, foi positivo. A partir do ano 2000 com o câmbio flutuante o Brasil passaria a gerar grandes superávits comercias. Pena que FHC só pode aproveitar isso por pouco tempo.
Recomendo o livro para pessoas que como eu adoram política e sabem reconhecer os méritos de nosso ex-presidente.