Resenha da Política de Aristóteles

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A Política é a obra clássica para os conservadores, como é, no geral, a filosofia de Aristóteles. Mesmo que não acredite que suas ideias políticas foram criadas, como as de Platão, para que fossem colocadas em prática, nelas podemos vislumbrar muito do conservadorismo de Aristóteles. Como é comum em sua filosofia, ele sempre começa criticando as ideias dos outros para, a partir de aí, fazer uma tabula rasa e oferecer suas próprias ideias “superiores”. A polêmica principal é com Sócrates e a República de Platão. Aristóteles é anti-igualitário por excelência, e como ele toma Sócrates ao pé da letra, fica mais confortável para ele “refutar” suas ideias. Aristóteles parece muito incomodado com a igualdade entre homens e mulheres que permeia a filosofia de Platão. Se na República a escravidão desaparece, e volta (amenizada) nas Leis, Aristóteles a endossa com paixão. Todas essas opiniões, mesmo que não possam ser exageradas, revelam por detrás seu método indutivo. As impressões dos sentidos, as tradições e o senso comum, desprezados pela epistemologia platônica, têm muita força em Aristóteles. Para ele, como historicamente as mulheres forma declaradas inferiores, os escravos sempre existiram, e a relação entre os sexos parece assemelhar-se à dos animais, logo, portanto, cabe ao filósofo aceitar tudo isso. A Política de Aristóteles é, na verdade, um contraponto à República platônica inclusive com seu programa de educação colocado no final, que na verdade é muito inferior e bem menos detalhado que o de Platão.

Se o filósofo ateniense dizia que a cidade ideal deveria preocupar-se menos com o número de seus habitantes do que com uma limitação da propriedade privada, Aristóteles toma o caminho inverso, o que tem um sentido mais liberal/conservador moderno. A propriedade não deve ser limitada, mas a população, sim. Aristóteles afirma que o aborto deve existir para garantir uma população sadia e estabilizada. Suas ideias políticas são explicitamente hostis à mulher e aos escravos. Nada que seja diferente do que diz um Paulo, na Bíblia, mas é flagrantemente ultrapassado creio que até para os ouvidos dos platônicos de seu tempo, quiçá agora. Entretanto, como toma como base o senso comum, é bem parecido com a visão católica medieval de que alguns já nasceram para a servidão, enquanto outros para a oração. O feudalismo encontrou em Aristóteles um grande aliado, e ele, junto à redescoberta do Direito Romano, foram os responsáveis pela degradação dos direitos da mulher a partir do século XIII em diante. A historiadora francesa Régine Pernoud percebeu isso muito bem.

Aristóteles coloca como base de seu pensamento político e econômico sua busca pelo meio-termo tal como em sua Ética. A cidade deve buscar que a classe média floresça, porque a pobreza é fonte do mal e da revolução. A cidade deve ter um tamanho limitado e permitir que a vida teórica surja, pois, como sabemos, em sua Ética, Aristóteles afirma que a contemplação é fim último do ser humano. Aristóteles é hostil à Ideia de Bem como existe em Platão, por isso, como ele não acredita na igualdade entre os seres humanos, também não pode aceitar um Bem transcendental. Em sua cidade, cada homem deve buscar aquilo que lhe agrada e, em termos políticos, cada qual é como um bloco de pequenas ideais e motivações que, colocadas lado a lado, ajudam a formar o pensamento político da cidade. Isto é reflexo de sua teoria do conhecimento que vê na ciência a capacidade do homem de ajuntar blocos de informações que a natureza fornece. Obviamente, Aristóteles não crê que a exista um Bem que esteja acima de tudo. Em uma passagem traduzida por nós a partir do original em grego, esta opinião aristotélica pode ser aplicada à política:

πάντες άνθροποι τοΰ είδέναι όρέγονται φΰσει ερειδή ή γνώσις τελειότης έστί τής ψνχεης, κάϑολου της άπλως γιγνωσκύσης, μαλλον δέ της λογικες, καί τάυτης έστι μαλλον ης θεωρία τό θέλος, πασα δέ τέλειοτης εκαστου το εκάστου άγαθόν έν δέ τώ αγαϑω εκαστον έχει το είναί τε σώζεσϑαι, δία τουτο καϑολου επηγαγεν οτι παητες ανθροποι του ειδεναι όρέγονται φύσει.

“Todos os homens por natureza desejam saber” Aristóteles

Ou porque a perfeição está na alma, ou nada vem a ser conhecido, e isso provavelmente não é lógico, pois esta é a teoria extrema, uma vez que o bem de cada coisa está identificada em cada uma delas, e não pode ter tolhido do homem a busca do que sua natureza cobiça.

Alexandre de Afrodísias, Comentário à Metafísica de Aristóteles

Por isso também nosso filósofo devota tanto tempo em discussões sobre a arte de ganhar dinheiro e sobre o comércio. Quem já leu o Capital, de Karl Marx, sabe como o filósofo alemão viu em Aristóteles seu precurssor. Aristóteles, porém, dificilmente pode ser tomado como um antecessor de Marx não somente por seu conservadorismo, como também por sua epistemologia que vê na potência a fonte do mal. Por isso sua cidade, assim como sua epistemologia, não se preocupa com uma adequação para gerar ciência, mas para conservar, acumular dados e garantir uma ociosidade contemplativa. É um objetivo bem totalmente antiplatônico. Além do mais, a preocupação com o privado gerou uma atomização da sociedade em níveis alarmantes. Hoje, em nossa civilização, mesmo com incríveis misérias e uma grande urgência em debatermos sobre o bem comum, pessoas fazem filas para comprar os produtos mais estúpidos que se possa imaginar, enquanto ao lado alguém passa necessidades. No tempo de Platão, quando este tentou ensinar sobre o Bem fora de sua Academia, a população, no mais puro espírito filisteu de que somente o que é útil é bom, desprezou abertamente a aula de Platão porque esta versava sobre os bens transcendentais, e não sobre dinheiro ou prazeres.

Aristóteles jamais conseguiu compreender as conquistas de Alexandre. A cidade por ele imaginada é fechada em si mesma e hostil às influências estrangeiras. Trata-se de uma cidade que busca fornecer meios para que alguns obtenham um ócio contemplativo. Platão, pelo contrário, sabia que a História seguiria sua marcha. Seu modelo tal como explicado em seu diálogo Parmênides, da busca da unidade na multiplicidade, que foi colocado em prática pelas conquistas macedônias, e deu origem à cidade de Alexandria, para onde afluíram gregos, persas, judeus e muitos outros. É o império mundial de vários povos. Para concluir, podemos ver como até mesmo o princípio de não-contradição de Aristóteles influenciou sua política. Ele não pode admitir, pois trata-se de uma contradição, que uma coisa possa ser boa, ao mesmo tempo ruim. Para Platão, a democracia era a pior forma de governo entre as melhores; entretanto, entre as formas degeneradas de governo, a democracia era a que oferecia menos perigo. Aristóteles não consegue compreender isso.

Sobre a visão da cidade no Islamismo veja https://felipepimenta.com/2013/08/12/as-caracteristicas-da-polis-madina-no-isla-a-visao-de-al-farabi/

 

 

 

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