Resenha de A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de John Maynard Keynes

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Provavelmente o livro de economia mais influente do século XX, a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, do inglês John Maynard Keynes permanece uma obra basilar no nosso conturbado século XXI, especialmente no caso brasileiro. As ideias de Keynes vão muito além da economia, influenciando também, por exemplo, reflexões na área da Bioética, como bem demonstrou o filósofo e médico Diego Gracia.

Duas coisas me chamaram a atenção em Keynes: sua preocupação social com os efeitos do desemprego e, o que considero mais importante, sua ênfase na defesa do uso criativo do capital. Ambas as preocupações estão relacionadas no pensamento de Keynes. O nível de emprego é repetidamente mencionado por ele, que julga que o mesmo depende dos níveis de investimento e de consumo futuros. Não há como gerar-se empregos se não há investimento, e não pode haver investimentos se não há emprego. Curioso é como Keynes refuta diversas afirmações do senso comum daquela época, que se repetem atualmente, como a de que um nível de emprego elevado eleva a inflação, causa desequilíbrios, é inútil porque depois de um certo nível de investimento, não haverá mais demandas futuras e promove a elevação das taxas de juros! Parece que ouvimos muitos de nossos analistas atuais…

Estas coisas nada mais são do que o princípio de entropia e de crescimento zero aristotélico  que tanto o economista e pensador estadunidense, Lyndon LaRouche, denuncia em seus escritos. Keynes mesmo esforçou-se para combatê-los, pois geram um pessimismo nocivo também aos próprios empresários. Quem pode definir com certeza matemática qual é o momento de certo de parar os investimentos, ainda mais em países com carências monumentais como o Brasil? Desde sempre aqui ouvimos que a partir de certo ponto não podemos avançar, que um certo nível de desemprego é bom porque controla a inflação e os salários (nos dias de hoje, como nos de Keynes, é um mantra sagrado para muitos), e o mais importante é conservarmos o que já conquistamos.

Há um princípio conservador nocivo que se mantém às custas da miséria e do sofrimento de muitos outros seres humanos. Keynes busca deixar mais claro para todos que os frutos da expansão econômica e do nível de emprego são desejáveis para a sociedade inteira. Mais emprego produz mais investimentos, mais consumo, mais riqueza. Apesar do economista inglês recomendar um certo nível de poupança, ele sugere um tipo de poupança ativa, que gere investimentos futuros, que produzirão mais investimentos, mais riquezas, etc. Conforme mencionado anteriormente, Diego Gracia louva Keynes e sua paixão por criar uma sociedade de consumidores por ter, indiretamente, é claro, criado uma expansão fabulosa na demanda por serviços médicos durante o século XX, o que forçou a um aumento de investimento nos hospitais e, o que é melhor, em tecnologia médica.

Desemprego a partir de um certo nível destrói qualquer possível “benefício” que se possa ter com menos inflação, por exemplo. Não há uma paralisação total no funcionamento da economia porque outras demandas surgem a partir dos efeitos secundários como o aumento da violência, de problemas com a saúde física e mental, entre outros. O custo é repassado para toda a sociedade, inclusive para os empresários. O Brasil é um exemplo claro disso: alguém já fez o cálculo do quanto nos últimos 30 anos o país teve que desviar de investimentos produtivos para custear os efeitos catastróficos do desemprego, da miséria e da violência?

A preocupação social de Keynes com a criação de um sistema de ajuda aos desempregados é louvável. Um economista, o que tantos parecem ignorar, precisa ter como objetivo principal o ser humano e seu bem-estar. Nada lhe causava mais horror do que uma economia paralisada ou declinante. Mais fácil é tomar decisões importantes quando a economia vai bem do que com altos níveis de desemprego ou com déficits crescentes. Quando se fala sobre reformas trabalhistas ou livre negociação com entre patrão e empregado, é prudente preparar-se com algumas possíveis consequências, tais como o risco de os custos não baixarem tanto quanto os preços. Paga-se menos ao empregado, o que supostamente diminuiria a inflação, mas se o capital necessário para novos investimentos diminuir e os custos aumentarem, o que é fácil numa depressão…

Keynes era cético enquanto a capacidade dos empresários por sua livre e espontânea vontade de dar início a novos investimentos durante uma crise econômica. Ele, para horror dos liberais, crê que cabe ao Estado dar início a uma nova expansão através de obras públicas, mesmo que de caráter duvidoso. É o famoso “espírito animal” que, ao menos no Brasil, geralmente fica adormecido…O lado psicológico é muito importante para Keynes. O governo precisa criar expectativas de que novos investimentos sobre a poupança criarão novas demandas que irão gerar mais consumo e riqueza. Novas maneiras de produzir deve ser o objetivo. O poder de compra do trabalhador irá determinar novas ofertas de produtos e investimentos. Keynes acertou quando disse que os efeitos das taxas de juros não interferem tanto no desejo de consumo do trabalhador. Os efeitos nocivos da elevação das taxas de juros, diz ele, só se tornam visíveis a médio prazo quando começa uma onda de transferência do capital produtivo para investimentos parasitários em títulos da dívida, os quais envolvem poucos riscos. Por isso fica claro o porquê de tantos grupos poderosos serem fanáticos defensores de taxas de juros elevadas. Não é porque a inflação fique controlada, mas sim porque eles enriquecem às custas do desemprego alheio. Aumentar as taxas de juros diminui o consumo, o investimento e a poupança interna da nação. O resultado é o crescimento acelerado não da economia, mas da desigualdade. Thomas Piketty demonstrou que a renda do capital costuma ser pouco taxada internacionalmente, e no Brasil isso chega a ser criminoso, pois, ao contrário, taxamos fortemente a renda do trabalho. Além disso há também a questão das heranças, uma vez que boa parte da riqueza atual é herdada. Com estes fatores, investimentos produtivos ficam raros e a desigualdade aumenta, e o trabalho é desvalorizado. O objetivo de um Banco Central seria procurar, segundo Keynes, uma justa medida nas taxas de juros que proporcionassem o pleno emprego. O emprego é o fator mais importante para a política econômica de um governo, e não a inflação!

O capital em si, desregulado e governado por uma lei de usura, é desastroso se não for transformado pelo engenho humano em capital produtivo. Lyndon LaRouche foi bem preciso quando percebeu a necessidade que nós humanos temos de nos aperfeiçoarmos a cada momento, criando novas demandas e desafios. Não há um fim pré-programado, nem um tipo de sistema econômico que possa intitular-se como fim da história. O trabalho está sempre à porta:

“Para aqueles que veem a matéria de um ponto de vista só de consumo, nós concedemos que o homem está aumentando a tendência de tornar-se prisioneiro do esforço para alcançar novas necessidades para a existência. Entretanto, de um ponto de vista humano, a significância deste fato é precisamente os problemas que são lhes atribuídos pelos bestializados hippies do capitalismo de nossos dias. Qual ser humano gostaria de tornar-se um cão diante da lareira? Somente aqueles que veem a si mesmos como animais poderiam inspirar-se na esperança de escapar do trabalho.

Não há motivo de preocupação se alguém persistir no estado de bestialização desejada pela família Manson. Ele logo deixaria de existir. Ser humano é localizar sua identidade dentro da sociedade na atividade da perfeição; é elevar-se de uma condição na qual aquela perfeição avança em uma velocidade mais rápida, e na qual mais e mais qualidade humana é demandada de cada indivíduo, e em que cada um cada vez mais ganha status social por causa justamente de seu potencial humano, e isso é preencher tudo aquilo que uma pessoa atualmente poderia desejar.

Neste ponto devemos reconhecer que a sociedade socialista, na qual lançamos evidências, não é a mais perfeita forma de sociedade humana e, sim, apenas o começo de uma longa série de sociedades humanas que têm potencial para emergir.”

Lyndon LaRouche, Dialectical Economics, An Introduction to Marxist Political Economy

 

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