A filosofia na Idade Média, de Étienne Gilson

Toda a filosofia medieval
Uma obra completa e, certamente, não para iniciantes, com importantes capítulos sobre a patrística e a filosofia oriental.Pude conhecer a filosofia de João Escoto Erígena e Avicena, e ter ótimas explicações sobre o argumento ontológico de Santo Anselmo e a doutrina do intelecto agente, de Averróis.No capítulo sobre Duns Scot, vemos a reação contra a filosofia de Santo Tomás. Para Santo Tomás, as provas da existência de Deus são apenas demonstrações pelo efeito, mas são demonstrações; para Duns Scot, as provas da existência de Deus são demonstrações apenas relativas. Com Duns Scot, temos o início do fideísmo, diferente da escolática do século XIII que soube unir a fé e a razão. Este teólogo afirmava que a existência de uma alma imortal não poderia ser provada pela razão, nem a priori, nem a posteriori; apenas a fé nos garante que a alma existe. Com Guilherme de Ockham, a existência de Deus torna-se apenas provável. Não podemos provar que Ele seja o Ser Supremo ou que seja Onipotente. Ockham irá afirmar a livre vontade de Deus, ou seja, se Deus quisesse que os pecados como roubo e assassinato fosses bons, assim seria.

O universo da filosofia de Avicena compõe-se de essências ou naturezas, que constituem o objeto próprio do conhecimento metafísico. Cada indivíduo é singular de pleno direito: a ciência tem por objeto os indivíduos. Um pensamento de Avicena se tornou célebre na idade média. Por exemplo: a essência, ou natureza, é indiferente tanto à singularidade como à universalidade. A “cavalidade” é a essência do cavalo, independente de que se tome a ideia geral de cavalo, ou seja um cavalo particular. “equinitas est equinitas tantum”. Ser um cavalo é apenas ser um cavalo. A doutrina da inteligência agente de Avicena causará espanto entre os cristãos. Ele admite em cada alma um intelecto que lhe é próprio. No primeiro grau esse intelecto é vazio; no segundo, já está dotado de sensações e imagens;o intelecto já não está em potência, mas em ato; no terceiro grau, ele se volta para a inteligência agente separada para dela receber as formas inteligíveis correspondentes a suas imagens sensíveis. Possuir a ciência é aptidão adquirida pelo exercício a recebê-la da inteligência agente. Avicena coloca um só intelecto agente para toda a espécie humana, ao mesmo tempo que se atribui um intelecto possível para cada indivíduo.

Para Duns Scot o homem deve tirar seu conhecimento do sensível. Não temos nenhum conceito direto do que possam ser as substâncias imateriais como os anjos e Deus. Tendo Duns Scot colocado como sendo Deus o ser necessário acessível à especulação metafísica, separa-se de Avicena para quem o possível emanava do necessário via necessidade. Para Duns Scot, o possível vem do necessário por um ato de liberdade. É o que caracteriza a sua filosofia a insistência da livre vontade de Deus. Se Deus quer uma coisa, essa coisa será boa; e se ele tivesse querido outras leis morais diferentes das que estabeleceu, essas leis teriam sido justas. Ele defende a liberdade da vontade, que tem primado sobre a inteligência e é mais voluntarista do que intelectualista.

Todas as provas da existência de Deus são relativas, porque só alcançamos Deus a partir dos seus efeitos. Com Duns Scot toda uma série de teses que pertenciam até então à filosofia se veem remetidas à teologia. Mesmo se a razão natural bastasse para provar que a visão e o amor a Deus são a finalidade do homem, ela não poderia provar que essa visão deve ser eterna, e que o homem deve ter a Deus como fim. Gilson demonstra que esse pensamento vai levar à separação entre a metafísica e a teologia positiva. O Deus de Duns Scot está preso à necessidade grega dos filósofos árabes. É o necessitarismo puro de Aristóteles que se esconde atrás de Averróis e Avicena.

Ockham acredita que o conhecimento intuitivo é o único que permite alcançar os fatos e rejeita o conhecimento abstrato. Quer saber se uma essência existe? É preciso saber se ela coincide com o particular. O único meio de provar que uma coisa é causa de outra é recorrer à experiência e raciocinar pela presença e ausência. Para o tomismo, a ciência tem por objeto o geral; para Ockham a ciência tem por objeto o particular. Um universo em que nenhuma necessidade inteligível se interpõe, mesmo em Deus, entre sua essência e suas obras, é radicalmente contigente, não só em sua existência, mas em sua inteligibilidade. As teses de Ockham se traduziu para Gilson em um ensimesmamento da ciência Sagrada que se colocará a partir de então como capaz de se bastar sem recorrer aos ofícios da filosofia.

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